ou como a estrangeira mais cabocla se aproveita das riquezas de Alter do Chão
Literalmente chovem, caiem das árvores, uns gorduchos e redondos, uns compridos, uns minúsculos, outros gigantes. Que tentação! Que festa de cores - amarelo limão e gema, vermelho claro e escuro, laranja fogo. São minúsculos como o caju do mato, gigantes do tamanho da palma da minha mão. Tento não perder nenhum! Disputados a tapas, são altamente apreciados! Uns encontro mordidos, outros brocados ou picados, abocanhados, apertados ou chupados. O araçari e o arancuã fazem a festa esmagando os melhores. Abelhas, ou será que são vespas? recortem aqueles buracos, entradas perfeitas para os fungos que não demoram em se instalar. Os macacos-mão-amarela fazem o seu arrastão de tardinha. Invadem, um, mais um, facilmente uns vinte todos os cajueiros! Como são exigentes! Mal deram uma mordida, já reprovam. Plooomp, caiu mais um.
De onde vem o cajueiro?
O cajueiro, Anacardium occidentale, uma árvore que alcança 10m de altura é nativo da costa do Brasil Norte e Nordeste. O cajueiro presenteia com dois frutos distintos: a castanha que tem o poder de germinar e o suculento caju, um pseudofruto. O pseudofruto com sua polpa mole e pele de cores vivas, vermelho, laranja ou amarelo, segura no fim a castanha. Fruta bastante sensível existe em inúmeras variedades selvagens, uns gigantes, o chamado caju do mato é minúsculo. A castanha precisa passar por um processo complexo até pode ser apreciada. A sua casca contém uma resina perigosa que queima a pele.
Aroma e uso do caju
A polpa é muito suculenta, o suco é aromático, mas adstringente. Usa-se o caju tradicionalmente em compotas, doces cristalizados, sorvetes, refrescos e licor. Nesse post se propõe um uso além. O caju harmoniza de maneira surpreendente com os mais variados pratos salgados. Um primeiro post apresenta a cajuína, elaborada com o suco de caju, aliás muito rico em vitamina C. Processado junto com gelatina o suco perde a adstringência e se conserva por bastante tempo.
O caju já está no ponto?
Os cajueiros de Alter do Chão se carreguem de frutas entre Setembro e Janeiro. Tradicionalmente uma árvore da muitos frutos em um ano, no outro ano ela descansa do esforço. O caju está no ponto certo para ser consumido quando ele se entregue sem resistir à mão ou o pegador que o colheita.
o caju
Caju azedo e caju doce
Alter do Chão oferece caju de todos as cores, tamanhos, tipos e texturas. Uns mais carnudos, mais duros, outros muito sensíveis e moles, todos extremamente perecíveis. Para aproveitar essa riqueza, os nativos distinguem basicamente entre caju azedo e caju doce. Aqui os paladares se dividem – uns preferem o azedo para contrastar com a doçura do açúcar, outros preferem os doces para o mesmo fim.
Para reconhecer - quem entende do assunto recomenda: Tem que provar. A mesma regra vale para a adstringência do caju, ou em outras palavras, quando o caju é “travoso”, amarra a boca.
Para doces homogêneos, não misture variedades de caju na mesma receita. Mas para equilibrar o azedo de um tipo de caju pode-se acrescentar uma variedade de caju doce.
safra do caju
Cuidado com a castanha
Coletar castanhas é um trabalho ingrato, de formiguinha. Os nativos muitas vezes colhem a castanha só - maior, melhor. A fruta é desprezada. De vez em quando pode-se observar alguém pisando nas frutas suculentas. Com uma mão segura e gira a castanha que depois vai para um balde.
Cuidado com a castanha do caju crua! Ela é tóxica! Os nativos torram a castanha seca em fogo aberto para obter a conhecida castanha comestível. Isso requer cuidado especial – a resina pode espocar e queimar a pele. Depois socam a castanha descascada no pilão junto com farinha, açúcar, uma pitada de sal - a famosa paçoca de castanha.
Encontra-se castanhas roídas! O bicho desconhecido que rói castanhas cruas têm que ter estômago adaptado para lidar com o veneno da casca da castanha.
A casca e as folhas do cajueiro são venenosas, mas na dose certa servem também como remédio.
Preparando caju-passas
Caju-passas duram meses. Podem ser preparados, a gosto de cada um, mais moles ou mais duros. Conheci em São Paulo. Era um presente de Natal daqueles que primeiro se estranha um pouco, era uma massa preta, preta, preta, um pouco grudenta, mas com aquele sabor inconfundível de caju-passas. Mais tarde depois de muita pesquisa desenvolvi a minha versão. O preto do presente de Natal deve vir da rapadura ou açúcar mascavo empregado no preparo. Dessa maneira, a receita segue os passos de qualquer fruta cristalizada e pode ser aplicada também em carambola, mamão não muito maduro, laranja, limão, jambo - até já cristalizei gengibre que virou uma delícia!
Receita de Caju cristalizado - Passa de caju
2 kg de cajus
2 kg ou mais de açúcar
água
Higienize o caju, retire, torcendo a castanha e corte o cabo e a bunda do caju. Deixe-o inteiro ou corte em pedaços conforme preferência e tamanho do caju.
Retirar castanha
Veja como recortar as extremidades do caju e aprenda porquê
Cubra o caju com água, espere levantar fervura, desligue e descarte a água. Os cajus laranjas ou vermelhos perdem a sua cor por completo.
Primeira fervura
Caju perdeu a cor
Reserve os cajus. Prepare um xarope de açúcar. Use para cada xícara de açúcar uma xícara de água. Para 2 kg de caju precisa 2-3 xícaras de água e o equivalente em açúcar. Aquece água com açúcar numa panela grande até todo o açúcar se dissolveu por completo.
Medir o açúcar
Colocar na panela, juntar açúcar e água
Acrescente os cajus e cozinhe em fogo brando lentamente por meia hora. Desligue o fogo e repita o procedimento no outro dia.
Acrescentar o caju
No terceiro dia o caju já mudou de cor e o xarope fica espesso. Cuidado, o açúcar pode alcançar temperaturas altas demais e caramelizar e queimar.
Quando o caju mudo de cor para âmbar, coloque sobre uma grade para escorrer o líquido.
A calda pode ser usada para uma nova leva de cajus ou engrossada até se torna mel de caju.
Na Amazônia é mais fácil secar os cajus no forno. Espalhe-os sobre uma grade. Dessa maneira o ar pode circular. Aquece o forno na menor temperatura possível, coloque a forma com a grade no forno e deixa a porta do mesmo entreaberto, por exemplo prendendo um colher de pau na porta. Mantém a temperatura durante várias horas ou até alcança a textura desejada.
Em outros lugares do Brasil podem ser secos ao sol. Leve os cajus bem espalhados sem se tocarem sobre a grade ao sol, coberto com um véu. Para evitar formigas, a melhor maneira é cobrir com véu e depois pendurar. Espere secar ao sol por 2-3 semanas ou até alcançam a textura desejada. A gosto vire em açúcar branco ou mascavo e sirva de sobremesa. Guarde em potes de vidro ou lata.
Caso o caju solte de novo líquido, volte ele ao sol de novo até secar. A gosto vire no açúcar mascavo.