Texto e fotos Susan Gerber
Já pensou viver sem óleo, azeite ou manteiga? Quem duvida que uma boa gordura seja a responsável por aquele gosto gostoso da nossa comida diária? Como a culinária também se move, todo mundo sabe hoje que a gente é o que come. Estamos todos a procura de alternativas mais saudáveis, mais naturais, mais orgânicas e mais locais. A fritura já está sendo colocada de lado, mas tem outras tendências que vão mais além. A mais nova é a onda vegetariana e vegana que, por exemplo, diminui cada vez mais o consumo de qualquer derivado animal, não só as gorduras, responsáveis por tantas doenças da moderna civilização. Essa nova onda coloca na nossa mesa não só grãos, legumes e vegetais, mas também brindou o pessoal antenado com um velho novo companheiro, o óleo de coco, além de valorizar em geral o que é local, nativo, da terra. Por outro lado, o azeite de dendê tornou-se, na mesma onda, o novo vilão - monoculturas de dendê são responsáveis pela destruição de muitos hectares de florestas nativas, e não só na Ásia.
Óleos, gorduras e azeites alternativas já estão disponíveis no mercado, todos de produções artesanais. Gordura de Piquiá e vários tipos de óleo de coco já podem ser adquiridos na feirinha agroecológica de Alter do Chão.
O Boto foi atrás de uma novidade bem local, saudável e gostosa e que ainda mantém a floresta em pé. Óleos, azeites e gorduras comestíveis, nativos, amazônicos! Óleos comestíveis, são a nova especialidade do morador de Alter do Chão Lauro E. S. Barata. Químico de produtos naturais com 30 anos de Unicamp, em vez de curtir a aposentadoria se tornou professor visitante sênior da UFOPA, e mergulhou de vez nos óleos. Será que agora chegou a vez dos óleos de terroir, os óleos nativos, amazônicos?
Buriti, tucumã, pequiá, patauá, babaçu e bacaba - temos aqui no Norte novos velhos óleos comestíveis a perder de vista.
O Professor Barata em ação junto com o SEBRAE de Belém, visitando comunidades produzindo priprioca na Comunidade de Acará.
O Boto entrevistou o professor Barata, conhecido por sua pesquisa com pau-rosa, o qual ajudou salvar da extinção, e a priprioca, um óleo fragrante usado em cosméticos e perfumes finos. Ele vai nós contar um pouco da sua mais recente pesquisa: Padronização de óleos comestíveis amazônicos. Se dependesse dele, poderíamos dar, logo, logo, um toque de terroir (termo usado para descrever que um certo produto, por exemplo vinho, que vem de uma certa região) nas nossas receitas favoritas - assar, fritar, grelhar ou fazer biscoitos com óleos nativos.
Antigamente se usava óleos locais para uma cozinha local e nativa!
Falando de óleos nativos, que curioso, nada se inventa. Pergunte a sua mãe ou sua avó - elas vão se lembrar dos tempos antes do óleo da soja. A soja, tão presente na nossa terra agora, cuja história aliás daria outras tantas linhas, ou o óleo de canola que foi desenvolvido no Canadá em 1970! Mas como as pessoas se viraram nesses tempos pré-soja e pré-margarina? Usavam óleos locais para uma cozinha local e nativa! Os nomes desses óleos são tão indígenas como os seus frutos. Tinha óleo do fruto do buritizeiro. O seu óleo, de um purpura profundo, é cheio de carotenos, assim se chama o ingrediente responsável pela cor alaranjada, aliás muito saudável, que no organismo da gente se transforma em vitamina A. Tinha o óleo da castanha, nossa velha conhecida castanha do Pará! Que delícia! Bastante usado em cosméticos, há na internet já fornecedores que oferecem óleo de castanha de boa qualidade para uso alimentícia. Tem gosto amendoado, de castanhas, luxo puro. O que até aqui fazia sucesso nas lojas gourmet lá fora, vendido bem caro para ser usado em gotas aromatizantes, lado ao lado com outros óleos exóticos como os de abacate, sementes de uva, amendoim, gergelim já está disponível por ai também. Do óleo de patauá, puramente amazônico, falava-se que era tão gostoso como aquele azeite importado. Tem relatos de nativos que usavam a polpa de mari ou umari gordo para esfregar no pão, no lugar de manteiga. A própria repórter já passou mal ao tomar suco, perdão vinho, da mesma fruta que tão gostosamente gorduroso era!
O fruto mari ou umari existe em duas versões, laranja ou roxo profundo, foi antigamente passado no pão que nem manteiga
Será que chegou a hora de se vangloriar dos óleos nativos? Vamos deixar do lado o queridinho óleo de coco, importado - temos tudo para ter orgulho dos nossos óleos puramente amazônicos. Buriti, tucumã, pequiá, patauá, babaçu e bacaba - temos aqui no Norte novos velhos óleos comestíveis a perder de vista. E sem esquecer a manteiga de cupuaçu e cacau! Um tesouro, uma riqueza a ser descoberta ou melhor redescoberta.
Novos gostos antigos
O Professor Barata sabe do que está falando. Nasceu em Belém do Pará, e alguns gostos e cheiros desses óleos e gorduras ele lembra vivamente. Ele tem argumentos de sobra porque quer descolar um projeto para valorizar os óleos nativos. Mas vamos por partes. Ele diz que no passado nem tão distante, antes da construção da rodovia Belém-Brasilia, colocada em prática simultaneamente com a nova Capital Federal em 1960, parte do plano de metas do governo Juscelino Kubitschek e considerada de grande importância para a estratégia de integração nacional, o Norte do Brasil era um mundo a parte. Durante os primeiros anos a Belém-Brasília ficava fechada a noite, porque tinha perigo de ataques de indígenas. Muitas novidades e modas não chegavam até lá. A própria mãe do professor Barata costumava dizer: "Xiii, meu filho, isso não tem aqui não!" - se referendo a qualquer novidade nutricional, gustativa ou da moda. Tinha que se virar com o que a terra, rica, dava. Óleos extraídos de muitas oleaginosas, seja fruta, um coco ou grão que a contém, ao ser exprimido ou fervido produz um óleo, e no passado, foram comercialmente exploradas para suprimir uma demanda forte local. Eram fontes alternativas de energia, as lamparinas usavam andiroba, mas também eram usados como comestíveis ou medicinais, esses óleos, além de ser usados como matéria prima para a fabricação de sabões - que versatilidade e que riqueza! Todos sabiam que óleo de patauá era equivalente a azeite de oliva, trazido de tão longe, e que os porcos que comiam buriti ficavam com a banha alaranjada, gordos e gostosos demais.
Era o tempo dos vinhos de frutas
Estamos reaprendendo o que os amerindos já sabiam. Usavam o óleo de patauá em forma de suco, que chamam de "vinho", mas não é fermentado nem alcoólico. Este “vinho” altamente nutritivo possui sabor de castanhas. O óleo do mesocarpo (a polpa que envolve o coquinho) é quase idêntico aos óleos de oliva quanto a aparência e a composição em ácidos graxos. Obtinha-se de muitas outras palmeiras polpas e sucos bem substanciais, Eram vinhos riquíssimos em gordura, proteínas e vitaminas, alimento muito tradicional, hoje quase desaparecido. Chama atenção que muitos desses vinhos hoje podem ser processados com tecnologias mais avançadas em óleos e gorduras comestíveis.
Óleos de andiroba e tucumã de uma cooperativa do Marajó, Coopemaflima
Produtos nativos com suas propriedades inacreditáveis são redescobertas e valorizados com selo amazônico e floresta em pé.
Novos tempos e novos desafios
Professor Barata continua explicando que todos esses produtos, óleo de tucumã, de babaçu e outros produtos extrativistas, (colhidos na natureza, não plantadas) hoje são novamente valorizados, especialmente para cosméticos. Eles aproveitam do "carimbo amazônico". Isso abre novos mercados. Já tem cooperativas, cadeias produtivas estruturadas e estabelecidas, o pulo de gato agora é o tornar esse óleos comestíveis, já que as exigências para cosméticas são outas, e maiores. Ele sabe que melhorando todo o processo, chega-se a um óleo comestível de primeira. Então o professor Barata conta as vantagens que tem para apostar em óleos comestíveis:
- mantém a floresta em pé,
- agrega valor localmente, nas comunidades tradicionais através de melhorias nos processos e qualificação de mão de obra local
- são 100% veganos (sem nenhum produto animal)
- são 100% orgânicos o que leva a cada vez mais mercados
- são velhas-novas fontes a serem descobertas de vitaminas, antioxidantes, corantes que não só fazem bem para a pele ou o cabelo, mas também para o corpo todo
- imagina, além disso são super gostosos!
Como se produz óleos?
Como se fazia antigamente para obter esses óleos? Muitos deles foram, e ainda são obtidos fervendo a polpa em água, e depois de esfriado o óleo que se acumulou na superfície, pode ser retirado com uma concha. Estes processos, no entanto, deterioram vitaminas e carotenos, e por isso devem ser evitados se o óleo for para ser utilizado na culinária. No processo de extração de óleos a serem usados na culinária, é mandatório o uso de prensas mecânicas que preservam as vitaminas e tudo que é saudável no óleo, seus insaponificáveis. Além disso os óleos para o setor de alimentos devem ser cuidadosamente manipulados. Esse cuidado se inicia na colheita, no manejo, transporte e esses cuidados são mais importantes ainda na extração e armazenamento correto. Depois disso tem que ser elaborado uma padronização: Os óleos devem ter sempre mais ou menos a mesma cor, a mesma viscosidade e o mesmo gosto. Para obter óleos de melhor qualidade, se faz a extração a frio, o famoso óleo virgem, que depois de uma filtragem adequada garantem o padrão gourmet almejado. Isso impõe um longo caminho. Devem ser identificadas as fontes da matéria prima, depois vem a coleta e armazenamento adequado de uma fruta sensível recolhida muitas vezes dentro da floresta. Depois de tudo as amostras tem que ser analisadas não só quimicamente, mas também tem que passar por um processo de degustação para enfim chegar a nossa mesa.
Uns óleos que estão na lista dos preferidos do professor Barata seguem:
Produção industrial de óleos para cosméticos
Patauá o novo azeite extra-virgem
O patauá, Jessenia bataua, uma palmeira que lembra em muito o açaí, mas seus frutos pretos são mais ovais e um pouco maior. Hoje empregado em cosméticos, pode também substituir o azeite, já que tanto o seu gosto quanto a sua cor amarela-esverdeada são muito parecidos. É um óleo altamente insaturado, por isso muito mais saudável, bom pro coração. A planta ocorre tanto na terra firme quanto na várzea ou em beiradas de igarapé. O azeite é popularmente extraído por fervura dando um rendimento de 8 a 10% sobre o fruto inteiro.
Uso: Equivalente com azeite em gosto e cor
Benefícios: Altamente insaturado, bom pro coração e pra pele
Gosto: semelhante ao azeite de oliva , lembrando nozes
Tucumã - não é só espinhos!
O tucumã do Pará, Astrocaryum tucuma, mais doce e muito mais laranja do que o tucumã do Amazonas, tem uma polpa laranja intenso graças ao caroteno beta e é a segunda fruta com maior teor de beta-caroteno do Brasil, depois do buriti. O nosso corpo transforma o beta-caroteno em vitamina A, o que é muito importante para a visão e outros funções do corpo. O tucumã não entrega seus frutos com facilidade, mantendo comilões bem longe com espinhos bem afilados. Gosta das terras altas. Os frutos são comercializados nas feiras locais para sorvetes e sucos. Além do óleo da polpa, ainda não disponível no mercado, também se obtém o óleo comestível do palmiste, da amêndoa que se encontra dentro do caroço do tucumã. No Marajó, na ilha, os marajoaras quebram os cocos,- e como são duros- para encontrar uma larva de coleóptero e frita-las que nem torresmo, uma delicatesse local.
Uso: Ainda usado para fritar e assar. Deve dar uma cor bem apetitosa aos alimentos. Fonte de beta-caroteno natural que o corpo transforma em vitamina A
Benefícios: Óleo insaturado e cheio de esteroides bons pra pele
Gosto: bem específico, lembrando uma boa manteiga
O óleo da castanha
Os frutos da rainha da floresta, a castanheira do Pará (Bertholethia excelsa) brinda não só com a sua castanha deliciosa, mas também fornece um óleo comestível de alta qualidade com gosto delicioso e típico. Tira-se da castanha um óleo claro de boa qualidade culinária, que lembra as amêndoas frescas. O rendimento chega á 50%. Tem um só problema - rancifica facilmente, porque a sua gordura é muito insaturada, o que é um ponto muito positivo para o consumidor. O óleo é produzido por pequenas empresas comunitárias e por empresas grandes também e é usado pela indústria brasileira e estrangeira no fabrico de cosmético finos e só mais recentemente na culinária fina. A torta derivada da extração do óleo tem proteína de alta qualidade possuindo aminoácidos sulfurados e alto teor de Selênio. No Acre cooperativas produzem castanha e óleo.
IBY, uma empresa de São Paulo já vende o óleo de castanha de ótima qualidade.
Uso: Saladas, maioneses e outros pratos que valorizam o seu sabor de amêndoa
Benefícios: Altamente insaturado, o que é muito positivo
Gosto: delicioso, lembrando as castanhas frescas
Vermelho púrpura, só o buriti
A planta oleaginosa burity ou buriti, Mauritia flexuosa, gosta de ter um pé na água. É abundante tanto em terra firme quanto nas várzeas. A floração e frutificação são irregularmente distribuídas em todo o ano. Da polpa se obtém refrescos e doces muito apreciados, produtos, de pequenas indústrias caseiras. Da polpa produz-se o vinho do buriti muito substancial, bem gordo, com um óleo vermelho bordeaux de tão rico em carotenos que é campeã mundial de teor de carotenoides. A amêndoa fornece outro óleo, agora amarelo-claro, o qual, porém não é aproveitado ainda.
Uso: Antigamente usado para fritar e assar. Deve dar uma cor bem apetitosa aos alimentos. Fonte de beta-caroteno natural que o corpo transforma em vitamina A
Benefícios: campeã mundial de teor de carotenoides. Óleo altamente insaturado
Gosto: tem gosto próprio que lembra o gordo buriti mesmo
Bacaba
A Bacabeira, Oenocarpus bacaba, que alcança uma altura de 12 metros, é nativa da Amazônia. O caboclo chama a bacaba de ”forte” devido o seu elevado teor de gordura. Igual açaí nasce em cachos grandes, mas o coquinho é mais amarronzado e mais graúdo e sua polpa mais oleosa e doce do que o açaí. O líquido pardo, de cor chocolate, obtido da fina casca do coquinho escuro e processado com água, toma-se da mesma maneira como o açaí, puro ou adoçado, misturado com farinha ou tapioca em flocos. O coquinho amadurece depois do açaí. Nas casas especializadas sinalizam bandeiras as delícias do dia: Bandeira branca - bacaba, bandeira vermelha - açaí. Contém selênio, tido de ação antioxidante. Deve ser o próximo óleo a ir para os cosméticos.
Uso: o vinho da Bacaba é tao bom quanto do açaí, só que mais gorduroso
Benefícios: Contém selênio, tido como antioxidante
Gosto: tipico, amanteigado mas lembra mais o iogurte
A recomendação? Variar: comida, o óleo, carne, peixe, legumes. Dar preferência para alimentos locais e da estação, e comida caseira. Usar menos óleos saturados.
A recomendação final?
Até que os óleos nativos não cheguem a nossa mesa, o que nós podemos fazer para cuidar de uma alimentação mais saudável? A primeira recomendação é variar. Gorduras são importante para o bem funcionamento do nosso corpo e dão gosto excepcional aos alimentos, e ainda é fonte de calorias. Não é por menos que se aprecia aqui tanto o tambaqui como a matrinchã, peixes bem gordos! Comer dos mais variados tipos de alimentos, de preferência os locais. Além disso dê preferências para comida bem caseira, preparada com ingredientes da estação! Reduza as tão gostosas frituras. Em respeito aos óleos, nós devemos usar menos óleos e gorduras saturadas que já estão na carne, no leite e derivados como queijo, mas também no óleo de coco e no azeite de dendê. Melhor é usar óleos vegetais como proposto pela onda vegetariana e vegana. Se o dinheiro permitir, um óleo extra virgem é superior a um extraído à quente. Variar vale para os óleos também. Use para cada preparo o óleo certo. Para fritar e assar é melhor um óleo vegetal com o ponto de fumaça mais alto como soja ou amendoim. Azeite tem ponto de fumaça baixo, por isso é melhor na salada. Prefira gorduras não saturadas e escolha o óleo ideal para cada prato. Óleos nativos ou o óleo de coco tem gosto forte e particular, o que influencia no paladar do prato. Outros como óleo de castanha tem sabores muito leves que se desenvolvem melhor em saladas.
O Boto agradece ao Professor Barata e estamos torcendo para logo, logo os óleos da Amazônia cheguem a nossa mesa. Bom apetite!
Quem quer se aprofundar mais no assunto, o Museu Goeldi publicou uma segunda edição revista e atualizada da obra do autor Celestino Pesce -Oleaginosas da Amazônia -
ISBN: 978-85-61377-06-9
http://repiica.iica.int/docs/B2252p/B2252p.pdf