A culinária amazônica é deslumbrante. É a cozinha mais genuína do Brasil. Degustar a Amazônia, ou melhor, uma parte inesperada dela, sua culinária, virou minha grande paixão. É com imenso prazer que compartilho com vocês aqui um dos resultados das minhas jornadas culinárias. "Sabor Amazônico" é um registro, uma reportagem, um tipo de guia, elaborado, cozinhado e fotografado, confesso, com insaciável apetite e olhar guloso de forasteira. Fala dos ingredientes, receitas, lugares e perfumes amazônicos, todos únicos, uma explosão de gostos, uma culinária com poder de envolver todos os sentidos como só grandes cozinhas são capaz.
O livro Sabor AMAZÔNICO é disponível on-line. Link no final do artigo.
Vastidões amazônicas
Um igarapé perto de Oriximiná, mãos incansáveis descascam macaxeira ou mandioca para serem pubada na canoa em frente. Depois uns dias depois se tornarão farinha, farinha d´água. - A farinha é um dos alimentos mais icônicos e básicos da Amazônia.
Mas vamos por partes. Quando peguei o livro na mão, uns 3 quilos de peso, capa dura elegante, mas despretensiosa, contendo por baixo com umas mil páginas, com layout igualmente de bom gosto, sem foto nenhuma, apenas com uns desenhos explicativos, sabia que era aquilo. Ou nada. Uma bíblia. Profaníssima. Era um livro de receitas que pertence ao meu primo americano. A receita? As receitas explicam tudo, absolutamente tudo sobre a cozinha daquele país estadunidense, aliás uma cozinha nem tão famosa assim.
Assim serei o meu. Amplo demais, grande demais, eternamente incompleto, igual a Amazônia, a culinária da Amazônica, selvagem, ousada e original como poucas. A culinária amazônica esconde inesperadas descobertas, bem guardadas nos seios, no colo ou – quem sabe? - no bucho dessa densa selva amazônica. Só na Amazônia brasileira que eu conheço, há mais de 2000 espécies de peixes, - uma pequena parte dessa riqueza vocês acham no meu outro livro "Pescaria Amazônica" - 300 ou mais tipos de frutos e frutas comestíveis, calcula-se que 150 variedades de cogumelos que poderiam ser devorados, 200 tipos de mel silvestre, 90 tipos de pimentas nativas e muito cacau selvagem. Dar conta de uma culinária cheia de superlativos não é fácil não.
Temperos temperamentais
Por isso insisto nesse, no meu "dinossauro", de ir fundo. Vou muito além das receitas. Empilhei informações que eu julguei úteis sobre os mercados locais, produtos, ingredientes e maneiras de preparo. Serei redundante e falante e lhe ofereço um livro cheio, também de comidas renegadas! Um tipo de dicionário ou enciclopédia já que cada ingrediente ganha uma parte explicativa, satisfazendo a curiosidade não só dos/as estrangeiros/as. Enfim, não só eu, a autora queria sempre saber onde todas essas comidas fabulosas, tão estranhamente familiares ao nosso paladar, nascerem.
Dividi o livro em 11 tópicos. Inicia com os temperos temperamentais - quase todas as pimentas, enfim, pertencem às Américas! Fala-se de mais do que 90 tipos nativos. Espalharam-se através da colonização pelo mundo. Os povos indígenas as usavam e ainda usam em abundância, em quantidade e ardência consideráveis. Também não esqueci de outros aromáticos e os corantes, todos os tipos de cheiro verde, a chicória, o coentro, fresco e em grãos, o cominho e por aí vai. O que seria a comida do Norte sem um belo refogado e uma boa pitada de colorau ou açafrão-da-terra!
Criei a minha receita, interpretando os mais diversos molhos de pimenta disponíveis.
Comer a Amazônia um ato político e de responsabilidade
Cariru ou caruru é uma hortaliça tradicional e genuinamente amazônica, mesmo sendo uma planta encontrada em todo território nacional.
Na Amazônia, e não só lá, se perde – que paradoxo – todo dia um pouco de biodiversidade. Parte dessa biodiversidade amazônica tão estupenda e elogiada é comestível. Perde-se dela para produzir certos alimentos. Grande parte da população brasileira infelizmente permanece cética quanto à real importância da biodiversidade para o desenvolvimento e também pela culinária de seu país. Historicamente a floresta e os rios foram e ainda são vistos como territórios que podem ser explorados de forma extrativista. Retira-se dele tudo que gera lucro a curto prazo. Vê-se tudo que vem das florestas como atrasado, desprezível, de pouco valor. Conceito igualmente aplicado às costumes alimentícias. Todos nós sabemos das consequências. Escrever e discutir sobre culinária, especialmente sobre culinária amazônica se tornou, além de muito gostoso, um ato político.
Dedico o segundo capítulo - "Verduras & Legumes" - as verduras e legumes regionais, muitos "renegados". Como meu sogro, Deus o tenha, paraense da gema, costumava dizer - "não sou jabuti para comer folhas!" O hábito de comer verduras e legumes deve ter sido trazido pelos conquistadores, ainda é pouco difundido. Só o jambu ganhou certa fama na voz da Dona Onete e seu "Treme, treme".....
Uma seleção das saladas e molhos regionais propostas no livro vai do feijão manteiguinha até o querido salpicão, incluindo o meu querido cará roxo.
Nem entrarei em detalhes de alimentação equilibrada, só quero mostrar o que aqueles perdem que não frequentam as feiras livres locais! Quem pesquisa, encontra muitos PANC, plantas alimentícias não convencionais, todas muito bem adaptadas às condições climáticas não muito favoráveis a tomate ou alface. Quiabo de metro! Vinagreira! Abobrinha branca! Cariru e espinafre-orelha-de-macaco! e claro o imbatível jambu! Contra a “ditadura do alface” valorizo tudo que é nativo, adaptado, local ou mais chique, de “terroir”, acima de tudo as verduras e legumes locais que são muito gostosas! Que tal provar uma das minhas invenções, por exemplo uma salada multicolorida só de legumes locais? Os mesmos também não fazem feias assados no forno. Melhor só os feijões regionais que só se encontram por aí. Adoro o feijão de praia, especialmente quando ele ainda é verde. Temperado ainda quente com alho e muito coentro dá uma salada.... . Levo, além do manteiguinha, feijão-vinagre de presente para as pessoas lá fora. Fazem tanto sucesso!
Perfumes, aromas e especiarias cheirosas
Com bagagem leve, poucos conceitos e nenhum preconceito, sempre pronta a provar, descobrir e degustar entrego-me de corpo e alma ao fascínio das riquezas culinárias locais ainda pouco exploradas. Respeitar, valorizar e honrar as tradições culinárias amazônicas é fundamental. Nesse terceiro capítulo - "Aromas Selvagens" - quem ganha voz são as aromas e perfumes das especiarias, muitas delas inesperadas. Não só o Guaraná, mais uma das heranças indígenas, fazem história. O cumaru também já viajou o mundo numa longa e complexa jornada. A minha alma nostálgica tempera com folhas de caneleira, casca preciosa ou umas sementes de embiriba - encontram-se ainda lá nas mulheres erveiras. Embiriba não é só medicinal, mas também perfeito para o meu licor amazônico. Este cura muitos males, esses do corpo tanto quanto das almas, como bons ervas amazônicas costumam fazer. O livro agrega pitadas generosas de invenções e ousadias. Interpreta ingredientes, composições e as tradições locais de uma maneira mais contemporânea. As invenções ou releituras andam soltas no terceiro capítulo. Que tal provar o brigadeiro gourmet aromatizado com especiarias amazônicas?!
Quem diz que um simples brigadeiro, claro que vira brigadeiro gourmet, usando cacau da melhor qualidade local, combina tão bem com perfumes amazônicos? Tem de limão galego, murici e muito mais.
Heranças indígenas, riquezas vindas das terras
Deparei-me aqui na Amazônia com uma forte e inegável herança indígena, muito mais preservada do que em outros lugares, mesmo sendo renegada em partes. Mas a culinária local é resiliente, resiste. Tento preservar as tradições, não só na maneira do preparo dos pratos, mas também no cuidado e apreço pelos ingredientes locais, muitos deles pulando diretamente da cozinha dos ancestrais indígenas nas nossas panelas. Mas cozinhar é inventar, substituir, combinar. Somam-se à culinária milenar as adaptações engenhosas e sábias de imigrantes de todos os lados, todos bons de garfo. O resultado quero espelhar nesse meu livro. Fiz dele uma coleção, meio resgate, meio receitas. Entrelaçando o típico, a tradição com adaptações mais contemporâneas, imaginadas, achadas, provadas e aprovadas.
Não só o cara-roxo anda meio esquecido. Muitas outros tubérculos ou batatas mereceriam ser redescobertas, valorizadas.
Os capítulos quatro e cinco, - “Riquezas das Terras” e “ Farinha Pai d´Égua” - são dedicados às riquezas das terras, às caras, batatinhas, batatas, macaxeiras e mandiocas. Temos que preservar e homenagear essas riquezas inestimáveis, coloridas, em muitos aspectos muito superiores as tão chatas batatas, pálidas e desinteressantes como certas inglesas. Conheces o cará- roxo com sua cor instigante? Mereceria ser famosíssimo! Desapareceu no restante do país, não é disponível o ano todo.
Ancestralidade mesmo, tenho plena consciência que sou gringa, se acha em tudo que deriva da mandioca/macaxeira. Macaxeira ou mandioca, mansa, sem veneno ou braba, com aquele veneno mortalmente tóxico – conta-se que existem mais do que 250 variedades dessa raiz na Amazônia! Que tesouro! Os “papa-chibés” como os nativos se auto-titulam, sabem que estão preservando uma raiz com mil e uma utilidades, uma cultura de culinária completamente indígena que se desenvolveu no mínimo 1000 anos antes da era cristã. Uma raiz, transformada não só em tucupi, até hoje produzido completamente artesanal, maniva, goma, farinha de tapioca, e claro, em farinha e farinha d´água. Uma única raiz é transformada num alimento básico não-perecível extremamente versátil que já alimentou muita, muita gente. Claro que a farinha ganhou um capítulo só dela, o quinto – “Farinha Pai d´Égua”. Nesse quesito não canso de citar o Xangai, nordestino, autor da música que compacta tudo que pode ser dito sobre esse tema: “Se a farinha (a amazônica também) fosse americana....”. (Música "Nois é jeca mais é joia").
Uma das melhores farinhas, farinha d´água, mais fina, mais grossa, baguda, vem, na minha humilde opinião, da região de Santarém. Crocante, saborosa, sempre muito bem feita.
Farinha, farinha d´água, vira acompanhamento muito variado. Vai da mojica, do pirão até todo o tipo de farofa ou cuscuz. Aqui na Amazônia combina até com açaí e frutas!
Café! Aquele café regional!!!
As lanchonetes do mercado do Parque 10 em Manaus são preparadas. Só preencher um tipo de questionário e já vem o encomendado, tudo bem regional e sazonal.
Já preencheu, que dificuldade deliciosa, aquele papel interminável da foto acima? Pupunha alaranjada, cará-roxo ou macaxeira-manteiga? Muito bem cozidos, quase desmanchando. Tem. Há dos mais diversos mingaus, de tapioca, de banana verde, mungunzá ou buriti. Tem. Também tem aquele de açaí, reaproveitando açaí azedo que é misturado a arroz, igualmente no mingau de jerimum. Pé-de-moleque, assado na folha de bananeira? Disponho. Queres um cuscuz de milho, leve e arejado, cor de gema de ovo ou uma das tapiocas simples, só com manteiga ou recheado com ovo frito? Tudo bem reforçado, regado com colheradas de leite de coco suculento ou, melhor ainda, coberto de riachinhos dulcíssimos de puro leite condensado – tão indispensável quanto o leite em pó no café da manhã de rua. Café regional pouco se come em casa nem em prato de porcelana. Sirva-se em copos de plástico descartável, em cuias ou sob folhas de bananeira.
Encontram-se no capítulo seis “Café Regional” muitos ingredientes pouco glamourosos, mas não menos deliciosos, todos fazem parte do café regional. Já provou da infinita variedade de beijus, com ou sem castanhas? Xiiii! Se fosse taco mexicano.... Ainda dá para achar das mais variadas grossuras e crocâncias nos mercados nos vastos interiores. Delícias que todos logo, logo sumirão. Junto com os imbatíveis cafés regionais, tão ricos em calorias quanto em sabores!
Há inúmeras possibilidades de tapiocas com ingredientes dos mais regionais possíveis. Recomenda a combinação cabocla manauara de tucumã e banana pacovã ou um pé de moleque assado na brasa na folha de bananeira.
A floresta entrega as suas riquezas
O verdadeiro banquete indígena/caboclo para mim são os frutos de palmeiras e de outras árvores da floresta, todos bem substanciais, cheios de óleos interessantes, esses também nunca mais explorados, esquecidos. Aliás, falando de florestas - pesquisas recentes comprovam que o mito da floresta intocada não se sustenta mais. Muita dessa selva aparentemente selvagem, assustadora e virgem é nadíssimo disso. Parte dessa selva foi mexida e remexida pela mão humana durante muito e muito tempo. A floresta era e ainda é habitada. E onde tinha humanos, a mão humana plantava, cultivava, escolhia, cultuava preferências. O que mais tarde o conquistador fez em outro nível, os indígenas já faziam. Sempre levaram consigo um caroço, uma semente, uma raiz. Replantavam, reflorestavam, renovavam a floresta ao seu gosto. Pensavam, que diferença, somente no próprio sustento.
Amo açaí com peixe! Que tal compartilhar comigo o meu banquete caboclo com tudo que essas terras abençoadas tem de oferecer de mais nativo?
O sétimo capítulo - "Sabor Floresta" - apresenta exatamente todos esses sabores bem diferentes. Começo pelo astro amazônico, o açaí que enfim criou fama lá fora também. Mesmo que ninguém nativo, e nem eu, o comeria exatamente com aquela granola ultra doce.... Nas bandas amazônicas o açaí vem tradicionalmente à mesa acompanhando peixe frito, camarão salgado ou um bom bife. Fui um passa além. Será que é um sacrilégio combinar açaí ao arroz ou a um molho para peixe como numa das receitas propostas? Outros frutos de palmeiras, todas tanto de subsistência quanto de substância, todos bastante gordos, cada um têm sua época e preferências regionais, são as pupunhas, tucumãs e buritis. Também o piquiá, gordo e deliciosamente amargo, não foi esquecido. Adoro roê-lo do caroço. Quem avisa, amigo é - quem os procura no supermercado não haverá sucesso. Encontram-se somente nas feiras e nas banquinhas beira rua.
Fogo, sal, sol e vento garantindo sustento
Piracui, a farinha de peixe permite dispor do mesmo peixe, uma proteína muito importante, o ano todo. Mesmo com peixes em abundância, os mesmos ficam escassos na época da cheia.
O capítulo oito – "Água, Sal, Sol e Vento", se concentra nas águas e seus habitantes. Aos pescados frescos, há pouco lugar no Brasil com tantas delícias de qualidade inestimável, não só dediquei outro livro inteiro, - "Pescaria Amazônica" - , além disso há muitas receitas propostas ao longo do livro.
Embrulhar uns pacus gordos para colocá-los na brasa ou quem não dispõe no forno - uns legumes e muitas ervas acompanham.
Aruã com gremolata amazônica com um toque de vinagreira.
Esse capítulo se concentra em poucos peixes emblemáticos e dá ênfase aos onipresentes e indispensáveis peixes e camarões salgados e secos. Camarões e pescados salgados, o astro é o pirarucu, encontram-se em qualquer mercado amazônico. Nenhum prato tradicional, só pensando em tacacá, vatapá ou cariru paraense, dispensa eles.
Do ponto de vista histórico quero destacar aqui o moquém dos povos indígenas, que foi substituído ao longo da colonização gradualmente pelo sal, a salmoura e a salga. Todas as maneiras perseguem com o mesmo fim - preservar proteínas altamente perecíveis por mais tempo, especialmente num clima pouco favorável. O moquém, nada mais do que uma brasa sobre qual se coloca com certa distância uma jirau de galhos, se aproveitando tanto do calor do fogo quanto da sua fumaça. Peixes ou carnes de caça, os primeiros normalmente inteiros, só eviscerados mas com carapaça ou escamas ou protegidos por folhas, assam lentamente, sendo defumados e ressecados. Obtém-se dessa maneira uma proteína desidratada/ defumada que se preserva durante bastante tempo. Técnica ancestral e indígena da conservação, hoje ainda é usada no preparo do piracui, a farinha de peixe. Para tornar a proteína novamente comestível, ela é desfiada ou no caso do piracui esfarelada e novamente hidratada, normalmente cozido em algum líquido aromático, por exemplo, no tucupi. Resquícios desse hábito de assar/defumar peixe e carne encontra-se no costume de assar tanto pato quanto carnes para depois ensopá-los, por exemplo, no tucupi.
Pato, galinha, porco e búfalo
Falando de indispensável e festivo – além de uma boa galinha caipira, um porco bem gordo é o pato a quem cabe um lugar de destaque! Os jabutis ou muçuãs felizmente, junto com outros pratos de caça, desapareceram quase por completo das mesas. Todos são descritos no capítulo nove - "Pastos & Quintais". Claro que também não falta o pato ao tucupi da foto da entrada.
Mas o que me chamou atenção é outro hábito que se preservou por aqui. Seja por necessidade ou por gosto mesmo, se vê no uso frequente de vísceras, todas aquelas partes menos nobres dos bichos. Confesso, sempre acho todas essas partes ensnobadas deliciosas!!! Redescobri recentemente, meio por insistência, a famosa panelada! Que descoberta! E foi um cozinheiro local que me ensinou a melhor receita de feijoada, feita, claro, com, exatamente, mocotó e vísceras! Quem quer saber mais, lhe recomendo o post https://o-boto.com/blog/a-feijoada-do-aparicio. Além disso sou fã explícita do movimento de vanguarda que aposta no uso de todos os partes do bichos que tinha que morrer, do focinho até o rabo.
O búfalo, importado, com o seu leite e sua carne deliciosa, também ganha seu espaço. Outro bichinho quase domesticado são as abelhas nativas sem ferrão. O seu mel com gostos surpreendentes é bem valorizado, mas ainda tem muito a descobrir ao seu respeito. Pouco tem a ver com o que a gente conhece por mel. Podem ser ácidos, intrigantes e sempre surpreendem.
Exuberância, perfume, deslumbramento - as frutas
Confesso que nutro um amor infinito pelas frutas locais tão desconhecidas quanto deliciosas! Apresento no penúltimo capítulo, - "Exuberância Amazônica" o decimo, uma parte dos mais de 200 frutas comestíveis. São aromas tão ricos e particulares que tem o poder de viciar. Quem já sentiu de longe o opulento cheiro de um cupuaçu, ainda na casca! nunca mais o esquece. O delicado, sofisticado paladar de um bacuri. E o aroma intenso e deliciosamente ácido do araçá. Um deles curiosamente ganhou o apelido da Califórnia. Como amo e admiro a sua acidez elegante!
Há o cacau, nativo da Amazônia, que está reconquistando um lugar de destaque. Não se esqueça de tomar um suco da sua polpa fininha, branquíssima e delicada. Outras frutas, uns nativos, outros trazidos e aclimatizados como as laranjas antigas que ainda se encontram nos quintais, são todas presentes em doces e outras sobremesas e sorvetes e claro, nas minhas queridas geleias.
Adoro agridoce! Fruta com pratos salgados! Pode? Nesse capítulo me aventurei e fui bem longe com minha resposta. Não só a banana pacovã, a comprida, combina muito bem com pratos salgados. Traço caminhas ainda pouco exploradas quando mostro que muitas das frutas amazônicas, especialmente as mais ácidas, dão um toque todo especial usadas em marinadas, molhos ou culis e claro são perfeitos em chutneys e outras conservas.
Que tal retomar a tradição antiga de fazer licores com as frutas? Ideias que não faltam. O livro traz receitas tradicionais, mas também ousa em reinterpretações e inovações - quem julgará serão os curiosos e aqueles que gostam de se aventurar na culinária.
Admiro os ingás com suas vagens tão sofisticadas embrulhando cada semente com tanto cuidado.
Mais delícias da floresta - as castanhas
No último capítulo, o onze, coloco a mão literalmente na massa. Chama-se – "Delícias da Floresta" -, e é dedicado às castanhas. Partindo da premissa que primeiro tem que se conhecer para depois valorizar, contradigo com força e gula que tudo que vem da floresta é desprezível e sem valor! Conhecer mais da Amazônia e sua culinária abrirá portas. Somos todos Amazônia.
Apostando numa cozinha rápida, contemporânea e fresca apresento a minha versão de pestos: são elaborados em dois minutos! Contendo ingredientes nobres e saborosos, tem o poder de transformar qualquer macarrão, batata, purê ou legumes em prato festivo. São nada mais do que uma pasta feita de ervas aromáticas, alho, castanhas e muito azeite, a gosto se acrescente, igual no original, queijo parmesão de boa providência. Eu muitas vezes dispenso o queijo, especialmente com peixe. Sempre a mão também são perfeitos para gratinar uma massa ou um pescado. Ricas em proteínas, as castanhas são perfeitas para quem quer consumir menos carne.
Quero terminar convidar você leitor que chegou até aqui compartilhar comigo a admiração que tenho por esses ingredientes e a cozinha única amazônica. Ao meu ver tem que prestigiar e valorizar muito mais! Entrelaçando com mais um dos meus elogios levemente exagerados, gostaria muito que todo esse meu conjunto de informações, receitas e fotos formasse aquele acordo opulento e barroco de um banquete genuinamente amazônico! Deixando todos com água na boca, os leitores, os nativos mas especialmente aqueles que nunca pisaram nestas terras abençoadas!
Na preservação da Amazônia temos todos nós, mesmo sendo meros consumidores, nossa responsabilidade. O que comemos está em nossas mãos. Vamos virar o jogo! Vamos valorizar o que é nativo, do lugar, de terroir.
Bom apetite!
O livro - Sabor AMAZÔNICO - é disponível no link:
Pescaria Amazônica
https://www.yumpu.com/pt/document/read/65237011/pescaria-amazonica