Salvem o Lago Verde é um grito que vem de baixo. São moradoras de Alter do Chão que estão tentando reagir e remediar onde ainda não parece tudo perdido. Viver em Alter do Chão e tentar preservar não é pra fracos não. Vem desde da APA inexistente, cujo plano de manejo ninguém tira do papel, até o atual plano diretor, aprovado no ano 2018 contra todas as vontade da comunidade da vila. Mas a luta continua!
Vamos por partes. No meio da segunda seca nunca vista com águas muito abaixo do normal que não só deixa os catraieiros sem trabalhar, por volta do dia 30 de outubro 2024 começa a circular nas redes sociais de Alter do Chão um vídeo, mostrando a brutal derrubada com trator de um Caraipézeiro no porto do Caraipé na beira do Lago Verde. Questionado, na mesma rede social, prontamente a resposta. Um dos responsáveis pela nova construção, o advogado José Maria Lima, afirma que essa derrubada acontece dentro da legalidade. Será feito lá um acesso para barcos no condomínio de luxo que será construído lá. LICENÇA DE INSTALAÇÃO Nº 2024/0000076 VALIDADE ATÉ: 22/10/202, Prefeitura de Santarém.
Hoje, dia 11 de Novembro 2024 depois que o Ibama embargou a obra, sai uma nota do José Maria Lima:
https://oimpacto.com.br/2024/11/11/nota-a-imprensa-do-dr-jose-maria-ferreira-lima/
Carimbozeiras em Ação – Patrícia S. Borari e Marcele Santos
O contexto
Rosival Dias explica:
A venda da área onde funcionava a Escola da Floresta, em Alter do Chão, já era uma situação muito triste para a comunidade local e para todos que defendem a preservação ambiental. Essa área, que foi adquirida com doações internacionais para projetos de educação e conservação, pertencia ao Conselho Nacional dos Povos da Floresta (CNS) e tinha sido cedida para a Prefeitura de Santarém usar em atividades educativas e ambientais. No entanto, no ano passado, o CNS decidiu vender o terreno para um grupo privado, sem qualquer consulta à comunidade de Alter do Chão. Desde então, o novo proprietário começou a desmatar grande parte da área, causando um impacto negativo na floresta local. Isso é um verdadeiro desserviço, pois esperava que o CNS protegesse esse espaço tão importante, mantendo a floresta preservada e acessível. A situação levanta questionamentos sobre a falta de diálogo e transparência por parte do CNS, já que a decisão foi tomada sem ouvir as pessoas da região, que são diretamente afetadas. É lamentável que, em vez de proteger a floresta e apoiar a comunidade, o CNS tenha escolhido esse caminho, ignorando a importância da área para a educação ambiental e a preservação local.
Dona Hélida Amorim e sua amiga Maria Jesuíta Tupinanbá prontas para tentar acessar a praia do Lago Verde por caminhos oficiais. Querem expressar pacificamente sua indignação. Foi a dona Andrea T.C. Teixeira, amiga das duas que sentia a necessidade urgente que elas tinham que fazer alguma coisa a respeito. Assim nasceu o protesto pacífico.
Pouco respeito para as florestas e sem acesso a praia
Dona Hélida Amorim, moradora e co-organizadora de um protesto com o motivo de salvaguardar o que ainda dá, o protesto aconteceu num dia muito simbólico, dia de Finados, se lembra:
Conheci esse lugar na beira do Lago Verde em 2002 a 2006... É um lugar sagrado pra mim... Em 2006 cheguei de Belém direto pra lá... . Meu amigo Pierre, um Suíço que tinha comprado a terra lá, não estava. Já era noite cheguei com a lanterna de um telefone. Foi um momento meu com a natureza. Depois de 9 meses fora... Uma noite mágica. Consegui achar uma vela e um fósforo... Peguei o colchão, coloquei no trapiche e lá fiquei... Observei o céu estrelado. Ouvi o ruído dos bichinhos de todas as espécies, o canto dos guaribas... A sensação era que as estrelas nasciam do lago. Não, não estava nem bêbada, nem tinha fumado. Estava embebida da força da Mãe Natureza. Me deu uma certeza de que era aqui o meu lugar! Voltei ontem, dia 02 de Novembro de 2024 e me sinto sem chão. Vi tanta, mas tanta devastação.
Como Pierre me disse a três anos atrás: "Alter já era! Fiquei triste. Hoje sei que ele tava certo. Quando era pra se fazer, salvaguardar, ninguém deu ouvidos. Hoje, dia de Finados, pra mim é dia de luto. Não pelos meus mortos, mas pela floresta do entorno do Lago Verde.
Salvem o Lago Verde e suas florestas!!!
O caraipézeiro, Licania spp., derrubado, carrega uma simbologia muito grande. É uma ligação direta com os povos originários e sua maneira de se relacionar com a floresta. A palavra é de origem tupi – karaipé -, “caraipé”, “caripé” ou “cariperana”. É uma árvore historicamente utilizada por povos originários da Amazônia que misturavam suas cinzas com barro com o objetivo de reduzir a plasticidade da argila que dessa e conferir maior resistência às altas e bruscas temperaturas durante a queima das peças. Sua casca e entrecasca são ricas em sílica, um material que é parecido como cimento, unindo as partículas de barro e aumentando a resistência à modelagem e ao calor da queima. Ele simboliza, além da terra preta que tem em todo lugar, cheio de cacos arqueológicos na vila, tudo que esse lugar um dia simbolizava para seus moradores e os povos originários.
Há uns 15, 20 anos que o turismo em Alter do Chão está em plena expansão o que de um lado gera renda, do outro gera pressão para todos os lados, especialmente para o bem mais valioso que Alter tem, a natureza. Os interesses dentro e fora da vila são múltiplos e contraditórios. Todos chacoalham a vila numa quebra de braços sem igual. De um lado a vila que ao mesmo tempo se aproveita é vítima da gentrificação da região central onde surgem cada vez mais hotéis, prédios e condomínios, a maioria só de veraneios. Significa que ficam grande parte do tempo vazios. A gentrificação expõe outras mazelas como bairros inteiros, os mais distantes do centro, com micosistemas de água muitas vezes mal administrados pelos próprios moradores. Sem mencionar que a vila inteira ainda está sem esgoto.
O turismo traz renda, mas pressiona por sua vez as belezas naturais, especialmente do Lago Verde que cada vez mais moradores de Santarém e turistas descobrem. Parte do Lago Verde é na verdade um dos inúmeros igarapés. Ecossistemas próprias que acompanham até certo ponto as subidas e descidas das águas.
Para quem acompanha de perto parece que Alter do Chão está a caminho de ser engolido. Mero distrito de Santarém está prensado que nem um hamburger entre dois pãezinhos. E o apetite é grande. Falta só engolir por completo. Pior que isso já aconteceu. Quem revê a história do Plano Diretor que na verdade deveria garantir o bem viver de todos, aprende bastante. O primeiro plano diretor data de 2006. Como ele deve por lei ser revistado a cada 10 anos, iniciou-se no ano 2018 o movimento da revisão que culminou na aprovação no ano 2018 de tudo que a vila explicitamente não queria. Mas Santarém era muito mais poderosa. Detalhe – no último encontro com José Maria Tapajós, ainda candidato, com o Rito Religioso do Sairé, foi o cacique Maduro em pessoa que pediu que o candidata, por fim eleito, José Maria Tapajós, descolasse esse tão aguardado Plano de Manejo da APA que Alter tanto precisa.
O que era para ser uma APA nunca descolou por falta de plano de manejo
Essa marca, parece pura ironia, se encontra num dos pouquíssimos acessos que a população nativa e local ainda tem para chegar até a praia do Lago Verde. Esse caminho, saindo pelo Terra Amor, é íngreme e torto. Beira e beira o lago, bem aí, bem perto, mas nunca permite o acesso à praia. Os outros acessos de antigamente foram, já uma tradição por aí, aos poucos fechados, trancados, particularizados. Pode?
Rosival Dias avalia a situação da APA:
A situação do Plano Diretor da APA Alter do Chão tá deixando muita gente de orelha em pé. Já faz mais de vinte anos que essa área foi criada pra proteger nossa natureza, só que até hoje nada de sair esse plano de manejo. Esse tal plano é importante porque ajuda a definir onde pode construir, o que dá pra fazer e o que é proibido na região. Sem ele, as construções irregulares tão crescendo, e a natureza vai ficando sem defesa.
A comunidade de Alter não tá calada. Moradores e associações, como o pessoal do Carauari, tão sempre correndo atrás, pedindo pra prefeitura botar esse plano de pé. Eles querem ter voz e vez, porque quem mais sofre com as mudanças aqui são eles mesmos. A falta de um planejamento certinho mexe com as tradições, com a segurança de quem vive na região, e até com o futuro da floresta.
Só que a coisa não é só sobre proteger as árvores e os bichos, não. Esse plano de manejo também traz segurança pra quem quer investir de forma responsável. Sem ele, as licenças ambientais vão saindo sem um controle maior, e isso vira uma bola de neve que afeta tudo: a cultura, a natureza e até as relações com a terra.
Resta lamentar que depois do lago Carauari, sem acesso por terra durante a cheia, a comunidade local perderá mais o acesso ao Lago Verde. Organizações da sociedade civil contactados para dar um parecer preferiram o silêncio.
Só uma liderança indígena afirmou recentemente em público, que está convicta que tudo isso logo, logo se resolverá, simplesmente com a demarcação das terras indígenas aqui em Alter do Chão.
Google explica sobre APA e Plano Diretor:
Uma Área de Proteção Ambiental (APA) precisa de um plano de manejo para estabelecer o zoneamento, os objetivos, as permissões e as restrições de uso das áreas. O plano de manejo é o principal instrumento de gestão das Unidades de Conservação (UCs) e é essencial para que a implementação da APA seja mais eficiente. O plano de manejo deve incluir:
- Caracterização da unidade
- Zoneamento
- Normas para o uso da área
- Manejo dos recursos naturais
- Programas de gestão
- Regras para visitação
- Medidas para promover a integração da APA à vida econômica e social das comunidades vizinhas
O plano de manejo é elaborado pelos gestores das UCs e deve ser um ciclo contínuo de consulta e tomada de decisão.
O Plano Diretor é uma lei municipal que define as regras e estratégias para o desenvolvimento de uma cidade. Ele é o principal instrumento de política urbana do país e tem como objetivo:
- Melhorar a qualidade de vida da população
- Reduzir as desigualdades socioeconômicas
- Tornar a cidade mais inclusiva, justa e ambientalmente equilibrada
O Plano Diretor é elaborado pelo Poder Executivo (prefeitura) e aprovado pelo Poder Legislativo (Câmara de Vereadores). Ele deve ser discutido com a participação da sociedade civil e da iniciativa privada, para que as bases do planejamento sejam pactuadas democraticamente. O Plano Diretor estabelece regras para:
- Zoneamento urbano
- Parcelamento, edificação e utilização compulsórios de imóveis
- Direito de preempção
- Direito de outorga onerosa do direito de construir
- Direito a alterar onerosamente o uso do solo
- Operações urbanas consociadas
- Direito de transferir o direito de construir
Fontes:
Caraipé: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://mamiraua.org.br/documentos/25405d645fe4ac44b6f2e6f946a69be8.pdf
Plano diretor Santarém
https://santarem.pa.gov.br/institucional/plano-diretor-e-planos-setoriais
Desejos não atendidos de Alter do Chão
chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://transparencia.santarem.pa.gov.br/storage/midias/anexos/86_xvi_oficina_-_revisao_pdm_comunidade_de_alter_do_chao.pdf
https://issuu.com/ongfase/docs/d_l_plano-diretor-e-direito-a-cidade_ebook2-1/s/12612693
Carimbozeiras Insta
https://www.instagram.com/carimbozeirasacao/?ref=REBSLIFE&hl=am-et
MPF investigação sobre conflito de interesses de José Maria Lima
https://www.jesocarneiro.com.br/para/mpf-abre-investigacao-para-apurar-conflito-de-interesses-de-advogado-de-ze-maria-tapajos-dentro-da-prefeitura-de-santarem.html