A palavra é com Shitara Aprendiz que comenta a vistoría do Procurador do Ministério Público Federal, Vítor Vieira Alves ao lugar da antiga escola da Floresta: A visita aconteceu no dia 15 de Novembro de 2024.
“Gratidão a todos e todas! Há muito tempo eu choro muitas desgraças que enxergo pelo meu caminhar. Sou de uma família produtora de mandioca pra fazer farinha, caçadores e pescadores, somos das beiras dos igarapés. A água que cresci bebendo, vinha da nascente do Godofredo, ramal do Tijucal - São Pedro.
Com a morte do meu avô e a divisão da terra eu vi tudo se perder. Tudo foi vendido ou trocado. Trocado por motos velhas que já nem existem. Assim morreu o repassar da cultura pelos meus parentes. Hoje eu me considero uma nômade nesse mundo. Mas eu sei de onde vim e pra onde sempre voltarei: Pará, Amazônia, Brasil! Especialmente meu Eixo-Forte que tem o coral de sapos e guaribas mais lindo da zona.”
Lideranças firme e fortes, todos indignadas. Foto: Israel/Palestina
A mesma tristeza e indignação expressa Osmar Vieira que cuida, entre muitas outras coisas, com muita parcimônia e resiliência do rito religioso do Sairé. Ele, como muitos outros, passaram sua infância e adolescências nessas terras que beiram o Lago Verde. As mesmas terras que de repente se encontram muradas, cercadas, perdidas e privatizadas. Um movimento que acua Alter de todos os lados.
Osmar Vieira expressa toda sua tristeza, indignação sobre a perda. Vídeo:Vall Mundurucu
Está muito em jogo e o apetite é grande. Ou como a Shitara diz:
“Este ato também nos ensina sobre a retomada da nossa cultura, lamentando que alguns de nossos ancestrais permitiram a comercialização e a destruição. Somos da Terra, nativos, caboclas e caboclos. Herdeiros e filhos da terra. Gratidão pelo ensinar e pelo ensinar que estou podendo dar às minhas crianças, uma nascida na beira do igapó da floresta encantada, outra nascida nas beiras dos Rio Arapiuns.”
Os vigias observando o movimento de longe. Foto: Israel/Palestina
"Eu vejo os comentários sobre emoção, e não é mentira, sim, a gente chora, a gente segura o choro, a gente segura a indignação. Mas é isso, que este ato de retomada sirva pra lembrar de onde todos nós nativos daqui somos, nós somos caboclos!"
Todo mundo dançando junto nessa terra sagrada dos Boraris.
Vídeo: Comunicação Salve a Escola da Floresta
Terras e mais terras que não valiam muito
Dona Hélida Amorim que se autodeclara indígena com raízes e ancestralidade quilombola, uma das primeiras que foi junto com outras mulheres protestar contra a destruição, responde sobre a questão da venda de terras:
“A gente sabe como funciona aqui – eles querem que Alter se torne o paraíso dos milionários. Por isso toda essa devastação. Tem poucas praias de água doce tão lindo no mundo como por aqui. Mas enfatiza que esse negócio das terras, sua posse e sua venda ou apropriação é muito complexo.”
Historicamente, terras aqui valiam muito pouco. Tinha terras e mais terras para todo mundo ter seu roçado, seu seringal. O povo vivia de farinha e de pescado, da caça. Nos anos 70/80 do século passado a aldeia Alter tinha umas 300 pessoas morando, era mera zona rural. A maioria das pessoas que viviam nessa roça tinha poucas posses, levava uma vida dura. Por outro lado, o povo era muito mais unido, conseguiu, por exemplo, erguer 1969 em plena ditadura militar o “Grupão”, a escola Dom Macedo Costa, hoje novamente escola de ensino médio com o mesmo nome. No mesmo ano, coincidência ou não, também foi fundado o Conselho de Desenvolvimento Comunitário de Alter do Chão. A ditadura militar durou de 1965 até 1985. E por falar em ditadura - bem no final da ditadura foi criado o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), resultado da luta dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR), especialmente o de Xapuri, liderado por Chico Mendes.
O CNS na teoria era uma organização que representa os trabalhadores agroextrativistas, organizados em associações, cooperativas e sindicatos. Sua missão era articular, propor e reivindicar políticas públicas que garantam a sustentabilidade socioeconômica, ambiental e cultural das gerações presentes e futuras. Bem nesse sentido foi criada, no governo da Maria de Carmo, prefeita de Santarém entre 2004 e 2012, derrotando seu principal adversário político Lira Maia, a escola da Floresta. A escola funcionava até recentemente num terreno de aproximadamente 40 hectares.
Literalmente passaram o trator. Foto Susan Gerber-Barata
Vídeo Susan Gerber-Barata
Alter de antigamente
Até os anos 1990 Alter continuava como vila pacata. Havia três pousadas que ofereciam pouco conforto e privacidade. As areias das praias eram brancas e cantavam ao serem pisadas. Chegava-se a Santarém por uma estradinha ou de canoa. A virada do século trouxe a grande reviravolta. O turismo começou a explodir e pegou muitos de surpresa. No ano 2001 nasceu o primeiro hotel com praia privativa, pode? num lugar privilegiadíssimo, antigamente tido como muito longe da vila. O lago Carauari, respeitado por ser assombrado pelos nativos, hoje é particular. Quem vendeu e como aconteceram as mudanças dos donos tudo isso até hoje é contraditório e poucas pessoas querem falar sobre isso. Como em toda a Amazônia aconteceram debaixo dos panos muitos negócios com posses e terras duvidosas, complicadas. Tinha trocas justas e uns menos justos. Uns culminaram, o garimpo está muito perto e enrudece as pessoas, em brigas, ameaças, ameaças de morte e pessoas mais espertas e com mais visão que se apossaram de grandes áreas. E a vila levava, levava no bem conhecido “É assim mesmo”. A ausência do estado, coronelismo, invasão e grilagem de terras foram o pique da crescente especulação imobiliária desenfreada, além da gentrificação solta.
Uma vila pacata que vira, por assim dizer, do dia para noite, destino turístico internacional fica com sequelas.
Dona Hélida:
“Naquele tempo sobravam terras. Os chefes distribuíam terras aos empregados, a quem precisava, se trocava terra contra uma casa, muitas vezes não muito bem feita. De um lado homens gananciosos, do outro lado as promessas de um capitalismo solto. De repente mudou toda a maneira de viver das pessoas do lugar. Uma vida cheia de sofrimento, pobreza, fome mudou o ritmo de ser. Moto, celular, mais conforto, uma casa de alvenaria ao alçance de todos. Muitos caboclos foram levados, amoleceram, deixaram outros decidiram para eles. Outros foram pressionados a vender. Muitos venderam sem consciência ou obrigados mesmo, por exemplo, para pagar médico ou hospital, promessas não cumpridas, dívidas não pagas. Sob o sistema vigente quem quer ter posses tem que trabalhar, e muito. O que tinham, eram as terras. Trocavam, vendiam uns faziam melhores negócios, outros péssimos, enganos. Perdendo sua essência. Muito complexo julgar.”
Para fechar novamente Sitara:
“Que este ato também sirva para nós aldearmos sempre pra que o nosso conhecimento ancestral, a nossa história não morra no meio de nós!”
Quem quer saber mais sobre todo essa perda, o luto e o movimento achará muitas informações nas redes sociais e links.
https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/9hyLqvGyMWs9xBy5b8QMvVh/
https://www.tapajosdefato.com.br/noticia/1044/venda-do-espaco-da-escola-da-floresta-populacao-nao-aceita-prefeitura-nao-se-manifesta-e-governo-do-estado-intervem-no-caso#:~:text=Sobre%20a%20venda%20do%20local,de%20consultoria%20para%20procurar%20venda
Decisão do MPF:
https://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-adota-pacote-de-medidas-para-protecao-ambiental-e-de-indigenas-em-alter-do-chao-em-santarem-pa
https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2024/11/19/mpf-defende-a-criacao-de-uma-unidade-de-conservacao-estadual-para-proteger-alter-do-chao.ghtml
https://portalsantarem.com.br/destaques/mpf-adota-pacote-de-medidas-para-protecao-ambiental-e-de-indigenas-em-alter-do-chao-em-santarem-pa/158939/
https://www.portaldocarpe.com.br/2024/11/mpf-recomenda-ao-municipio-de-santarem.html
MPF investigação sobre conflito de interesses de José Maria Lima
https://www.jesocarneiro.com.br/para/mpf-abre-investigacao-para-apurar-conflito-de-interesses-de-advogado-de-ze-maria-tapajos-dentro-da-prefeitura-de-santarem.html