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Madeira cheirando à rosas

Madeira cheirando à rosas
Susan Gerber-Barata
dez. 8 - 31 min de leitura
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Quer conhecer melhor nosso planeta? Que tal uma viagem aos sertões amazônicos, ao umbigo do universo: verde, nebuloso e úmido? Quer saber como se conectavam perfumes de luxo com uns caboclos analfabetos mas com saberes extraordinários? Eles sabem, por exemplo, como entrar no mato de um jeito e sair de outro sem se perder nunca ou reconhecer, sem falhas, uma árvore cuja madeira fornece uma fragrância que lembra rosas? Quer conhecer uma mulher de muita fibra que sozinha lá dentro da selva comandava 30 homens e uma usina que destilava a madeira dessa árvore? De descendentes de imigrantes judeus marroquinos que colocavam Manaus junto com o estado de Amazonas em pleno século 20 por dentro da economia do restante do Brasil, fazendo adicionalmente a ponte entre a selva e o mundo de luxo lá fora, financiando, comprando e exportando essa fragrância? E por fim um professor universitário que tinha um sonho e com esse sonho salvou o pau-rosa da extinção? Além disso, dois estudantes universitários, um hoje empresário de sucesso, exportando produtos da Amazônia, e outra no doutorado, que vai contribuir cientificamente, desvendando a genoma do pau-rosa, outro obstáculo - a Amazônia sempre surpreende.

Rio Preto da Eva, interior do estado Amazonas

Itacoatiara, interior do estado Amazonas, orla

Itacoatiara, orla

Itacoatiara, orla

Se o/a leitor/a queria uma palavra chave para entender um pouco mais da Amazônia, essa seria “exploração”. Visto com olhos atuais, tinha exploração em todos os níveis. Explorava-se a floresta, explorava-se pessoas – a história do pau-rosa no século 20 serve como fio condutor a quem quer entender um pouco dos meandros econômicos da Amazônia. O mais experto explorou melhor e mais refinado. Ou como se costuma dizer por ai: “Era - ou pior - é assim mesmo!” Maiores conclusões gostaria de deixar para os leitores/as.

Essa essência, um óleo muito especial cuja fragrância lembra rosas, é obtida de uma árvore da família das lauráceas. Uma árvore que por pouco não foi extinta. Hoje ressuscitou das cinzas pela mão de um campineiro destemido, Eduardo Matoso, empresário e outros empresários com visão. A estória do Eduardo Matoso é intimamente ligada ao sonho do seu professor na Unicamp, o paraense exilado em São Paulo, Lauro E.S. Barata. Lauro Barata vislumbrou e comprovou que pode se obter quase o mesmo óleo valioso pela poda, sem cortar árvore nenhuma. Hoje tem duas fazendas com plantio de pau-rosa produtivas, uma no interior do estado do Amazonas. Lá as árvores são podadas para depois rebrotam novamente, uma maneira pioneira e sustentável para viver da Amazônia, conviver com ela.

Professor Lauro E.S.Barata com Eduardo Mattoso ao lado do destilador

“Quer sair no sábado à noite? Dançar um forró? Nem precisa colocar perfume nenhum! Já está cheirosíssimo! O perfume do pau-rosa ti impregnou todo o corpo, curtiu teu couro. Não sai mais por nada. ”

João da Silva, mais conhecido pelo apelido “Avô”, devido a sua idade avançada, tem 86 anos, é um típico caboclo. Tem os traços asiáticos de um índio da região de Manaus e cativa com seus sorrisos generosos. Quando fala, ele usa, como todo mundo aqui, o "tu" sumido da língua no resto do Brasil. Trabalha desde é capaz de se lembrar ou como ele mesmo diz, desde que se entendeu por gente. Continua trabalhando, nesse momento como marinheiro, em uma curta viagem no Rio Negro. O rio cor de coca-cola é liso como um espelho. Aproveita a oportunidade, coloca uma das suas pernocas amarronzadas sobre o guarda corpo do barco e responde todas essas perguntas curiosas. Queremos saber tudo e mais ainda sobre uma árvore muito especial, aquela cuja madeira cheira a rosas.

“Foi um negócio muito bom, o pau-rosa, um bom trabalho. Ganhamos bem. Cortado uma árvore, costumamos de levar tudo embora, até desenterramos toda a raiz e arrastamos conosco. Uma árvore com 25 palmos de espessura produzia 25 toneladas de madeira. Um com 30, 30 toneladas de madeira. Isso rendeu muito dinheiro, sim. Hoje é difícil encontrar árvores. Você tem que ir muito longe lá dentro na floresta, muito longe."

Identificar pau-rosa é nada fácil, nem para botânicos muito experientes. A família das lauráceas ao qual o pau-rosa pertence é muito grande. Só uma análise química das folhas ou a genética confirmam com segurança que a árvore é pau-rosa mesmo. Só os mateiros que trabalham com pau-rosa não se enganam nunca, os outros todos.

Pau-rosa, como a árvore é chamada em português, (lat. Aniba roaeodora) estava ameaçada de extinção. Sua madeira com cheiro de rosas e a essência dela obtida, um óleo essencial, era e é usado como matéria-prima na indústria de perfumes de luxo. Entrou pela lista das espécies protegidas no ano 2011 e só pode ser explorado em condições muito restritas, normalmente só de plantio, mesmo assim sob controle estrito dos órgãos da proteção do Meio-Ambiente. Exportação legal só se é de origem comprovado, plantado. Uns 15-20 anos atrás, as poucas fábricas que ainda existiam produziam na beira da legalidade cerca de 50 toneladas de essência de pau-rosa por ano, para qual eram derrubadas cerca de 2.000 árvores a cada ano. Isso correspondia a um faturamento de U$ 1,5 milhão. Esse negócio entrou em declínio total.

 "Doutor! Psst, doutor, olha! ”

quem fala é o Sr. Raul Alencar, patriarca, astuto comerciante e produtor de óleo de pau-rosa. Seu dedo indicador levantado indica de quem quer chamar a atenção. Fala com o professor Lauro Barata. Chama-o de "doutor", como qualquer um com ou sem título, sempre um ou mais degraus mais altos na hierarquia social. A mim, a esposa do professor doutor, ele chama de patrona. Sua fala dá voltas, floreios, desvia-se, bifurca, tudo sublinhado com gestos expressivos. Não só fala, também é visionário espertalhão. Afinal, quer deixar, costume da terra, bons negócios para seus filhos tocarem. Nunca perdeu a fala e os gestos de um nordestino, herança deixada por antepassados atraídos pelo boom da seringa (borracha), que vinham ou no primeiro ou no segundo ciclo que arrastou inúmeros habitantes extremamente pobres ou aventureiros daquele sertão nordestino, eternamente árido, com promessas como aquela das terras sem gente para gente sem terra.  Muitos e muitos “arigós” atendiam os chamados e migraram em massa. Encontraram outro sertão, úmido, assustador, abafado, os interiores gigantes da Amazônia.

“Como o Senhor se tornou produtor de pau-rosa?” 

A história é longa e complicada. Começou quando o Sr. Raul trabalhava como intermediário para o rico e culto comerciante, empresário, cientista, judeu e professor universitário Samuel I. Benchimol. Ele era um grande empresário e ao mesmo tempo exímio intelectual. Explorava como poucos os interiores da Amazônia e seus potenciais. Conciliou numa jornada quase sub-humana: uma vida de extremo sucesso como empresário e outra de intelectual, cientista e professor de economia.

De ascendência judia-marroquina apostou já muito cedo no desenvolvimento sustentável da região Amazônica, especialmente no estado do Amazonas. Numa biografia sua puxada da Internet, diz que Samuel Benchimol estudava e trabalhava desde cedo. Começava às três horas da madrugada como despachante. Às sete horas, entrava na faculdade. À tarde, cuidava de negócios na empresa de seu irmão Israel e dormia algumas horas, pois, à noite, lecionava Economia Política na Escola de Comércio Solon de Lucena.

Fundou em sociedade com seu irmão mais velho em 1943 a Benchimol & Irmão, hoje Bemol, que também opera em outros campos como gás e exportação. Paralelo se tornou professor eremita da Universidade do Amazonas, onde lecionou por mais do que 50 anos. Criou a cadeira “Iniciação à Amazônia” e escrevia centenas de ensaios, teses, livros e artigos. Parte das suas exportações era, entre muitas outras coisas, óleo de pau-rosa, de Manaus direto para todas as casas de perfumaria de luxo do mundo.

“Meu chefe sabia de tudo. E ele controlava tudo. Sem computador! Ele só tinha um livro de exercícios simples. E uma única secretária. Ele me mandou aqui e ali, algumas toneladas de castanha do Brasil aqui, buscar duas toneis de óleo de andiroba lá. Negociou tudo que a selva tinha a oferecer. Ele sabia exatamente quando e quanto pagar e a quem. Fui eu que fui atrás dos fornecedores nos interiores, produtores, conexões. Estava sempre no rio, na rua, em movimento. Até, sim, até eu começar meu próprio negócio. "-

- “Mais tarde, trabalhando por conta própria, eu tinha uma destilaria de pau-rosa e então tentei com seringa (borracha) também. Isso foi na década de 1970. A ditadura militar queria retomar a seringa, transforma-la novamente em negócio lucrativo. Era tudo em grande estilo. Davam tudo. “Quantos tratores você precisa? 10? 15? Tudo bem. Nós tínhamos que nos preocupar somente com a mão de obra. As mudas vieram de São Paulo. Infelizmente. Eles nunca se acostumaram com o clima e todas morreram. "-

Uma história enfileirada a outra. Hoje, desistiu há tempo da destilação de pau-rosa que enfim era só um dos seus negócios. Até tentou se adequar às novas normas e exigências bem complexas.  - "Ei doutor, quer ver minhas terras com o plantio? É muito bom lá. Não é longe não. ”-“ Quantas horas aproximadamente? ” -“ É muito perto, doutor, três ou quatro dias de barco. ”- Estamos na Amazônia. Dois, três dias ficam logo ali na esquina.

Eduardo Mattoso, empresário, tem entre outros negócios uma plantação e destilaria de pau-rosa.

- “Cara, ´tava fazendo tanto frio no barco! À noite! Principalmente nos barcos! Na floresta, dentro, também cai a temperatura a noite. Como passei frio! Um frio danado!”-

Eduardo Mattoso, físico de formação pela Unicamp, Campinas, hoje empresário, relembra suas várias estadias na Amazônia.-“ No começo eu comia pouco e sempre cozinhava eu mesmo, tinha medo de pegar doenças.”

 “Fiquei bem preocupado com ele. Não comia nada! Levei ele ao supermercado mais chique de Manaus e pedi para ele comprar tudo que gostava. Enfim iríamos nós emprenhar na selva.”

Assim Dona Neta, mulher de muita fibra, seu nome completo é Maira Emília Paes de Andrade, relembra o seu primeiro encontro com Eduardo. Foi o Prof. Barata que tinha pedido que o sr. Raul recebesse um jovem Campineiro, estudante, com uma missão de colocar em prática uma hipótese, uma ideia, um sonho que tinha saído da cabeça dele. Até então ninguém nunca tinha tentado destilar óleo de pau-rosa das folhas e galhos menores. Como sr. Raul se encontrava, em outra missão, encarregou Dona Neta de recebe-lo.

Dona Neta, ex-produtora de pau-rosa, missionária evangélica e empresária

Eduardo: - “Em Manaus finalmente conheci a Dona Neta e o Senhor Raul Alencar, dois produtores de essência de pau-rosa. Dona Neta, mulher extraordinária, me deu a oportunidade única de conhecer sua realidade, a impiedosa realidade amazônica. Muito determinada, cheia de energia e coragem e com grande capacidade de liderança. Sozinha, no meio da selva, comanda uma fábrica de destilação de essência de pau-rosa. Tinha 30 homens sob seu comando."

Facão, motosserra, muito mato e trabalhadores anônimos

Dona Neta se lembra: - “Um dia desses tinha que levar um recado até a beira da estrada. Nunca escolhi homem para um trabalho específico. Peguei quem estava na minha frente. Apontei para um e fomos embora. No meio do caminho de repente ele se virou para mim. Olho no meu olho e diz: - Escuta, nunca ninguém lhe salientou? - Lembro até hoje dessa palavra, salientar. Não sei até hoje o que ele queria dizer com isso. Na hora me virei, encarei ele lhe falei na cara: Se si salientar, vai morrer na hora! Continuamos o nosso caminho. Andava com um colt na cintura, um 38.”

Com quase 40 anos, não me restava opção. O meu marido, Mario Rossy, o pai dele e ele já tiravam pau-rosa há mais do que 50 anos. O Rossy estava com hepatites, não podia mais tocar o negócio, nosso ganha-pão. Me aconselhei com um amigo do Sebrae. Ele me desaconselhou. Falou que nunca tinha visto uma mulher tocar um negócio desses. Não iria dar certo nunca. Perguntei: Mas é proibida pela constituição? Ele diz que não. Assim eu assumi. Tinha duas filhas para criar! Lá se foram 30 anos extraindo pau-rosa e muita, muita história a contar. Meu sogro, meu marido e eu somamos 70 anos de extração de pau-rosa. Um dos seus filhos continuava o negócio de pau-rosa em Parintins até uns 20 anos atrás.

“Quando eu comecei, eu não tinha quase nada. Fui falar com Isaac B. Sabbá, outro comerciante judeu de Manaus. Todos que negociavam pau-rosa tinham laços consanguíneos entre eles. Eram familiares, primos, tios. Nenhum deles nunca tinha visto uma mulher negociar, menos ainda pau-rosa. Enfim concordou em me emprestar o valor de quatro tambores de pau-rosa. Com esse dinheiro reconstruí a fábrica e destilei quatro tambores. A minha primeira usina foi na área da Jarí, Km 120 BR 174. Lá tinha uma destilaria de açúcar. Eu reaproveitei as árvores que eles derrubavam. Antes de queimar, eu retirava e destilava. Vendi três para ele e um para outro, claro para um preço muito superior. Quando eu enfim tinha pago os quatro tambores, nunca mais vendi nada para ele.”

Issac Sabbá, outro empreendedor foi chamado no seu tempo de rei da Amazônia, era. Era dono dos grupos IB Sabbá e Petróleo Sabbá, fundado com o objetivo de integrar a região amazônica na vida econômica do restante do país. Como combustível era fundamental para tudo, fez uma parceria com a Shell. Sua petroleira deu origem a refinaria de Manus Reman. Tornou-se dono de um dos maiores grupos de negócios a operar na região da Amazônia durante o século XX. Além disso, praticava um sistema de financiamento que beneficiava os produtores locais que por causa da pobreza e falta de recursos sozinhos não podiam explorar as riquezas naturais gigantes e valiosas.

Dona Neta numa conversa como o gerente da destilaria Gabriel Pádua de Lana sobre a melhor forma de destilar pau-rosa

Eduardo continua: - "Dona Neta me deu uma mensagem, um tipo de passe, e isso me deu acesso livre em toda a fábrica dela. Acompanhei um dos seus trabalhadores. Primeiro, dirigimos de carro por horas, até a casa de um comerciante, uma casa rústica sem conforto, à beira da estrada. Dormimos lá e conheci a vida simples na floresta. O chuveiro, por exemplo, era um barril cheio de água da chuva. Pegamos a água com uma cuia e jogamos um sobre o corpo do outro. Antes da viagem, tinham me avisado que a água estava cheia de tifo. Levei comigo uns 20 litros de água potável. Mas graças a Deus não havia nem malária lá. Mais tarde, tomei menos cuidado e bebi, como todo mundo, a água do rio. Escuro, como chá preto forte, cheio de sedimentos de origem orgânica e gosto e cheiro de terra. À noite, você dorme muito cedo. Todos dormem em redes. Ouvimos durante um tempo o canto dos sapos. Cantam apenas quando chove. Mais tarde, pela primeira vez - a primeira de muitas, muitas vezes - ouvi as histórias horripilantes da floresta. Histórias assustadoras e malucas, deitado no escuro no meio da selva, lhe sobe um frio pela espinha.....

Curupira como os pés crescidos para trás

Primeiro falam das onças. Contam tão vivo e vívido que logo pensei ter ouvido uma. Mais tarde, no meio do nada, encontramos suas pegadas e arranhões, bem na altura do peito, na casca das árvores, onde afiam suas garras. Então eles me falaram sobre o Curupira. Menino indígena de baixa estatura, muito experto! Quem já o viu, fala que tem cabelo vermelho que nem fogo. Seu maior prazer é enganar as pessoas que se embrenham na floresta. Nunca tente segui-lo! Ele engana todos. Seus pés lhe crescem para trás. Dessa maneira ela anda pra frente, mas as suas pegadas indicam o contrário. Caso perceba que ele está te perseguindo, há só uma maneira de detê-lo. Jogue uma intrincada teia de fios emaranhados atrás de você no caminho. Isca a qual não consegue resistir. Ele imediatamente tentará desembaraçar a rede complicada e se esquece - graças a Deus - de te seguir.

“No dia seguinte, nós nos embrenhamos por dentro da floresta. Conheci o "Jirico", pequeno estreito trator sem amortecedor nenhum, convertido para penetrar a selva. Estreito, com plataforma improvisado na frente e atrás construído para o transporte de madeira, mas também em casos excepcionais, de pessoas. Cabem seis pessoas nele. Você tem que segurar firme porque ele se comporta como um burro teimoso! Fique constantemente de sobreaviso. Levante rapidamente as pernas, caso contrário corre o risco de ser atropelado pelo trator. Eles usam sempre o mesmo caminho, bosquedo, com mais ou menos 1 a 1,5 metros de largura. Lá dentro da floresta existem grandes subidas e as descidas correspondentes, entre elas buracos  enormes. Depois uma viagem dessas você vai sentir cada vertebra das suas costas! Que jornada! Juntamente com toda a equipe, penetramos mais do que cinco horas por dentro da floresta."

Dona Neta conta que no lote com seu plantio de pau-rosa na floresta tinha que levar pessoas dos órgãos oficiais para fiscalização. “Quando eu vi essa moça, me arrepiei toda! Estava de sapato de salto (!!!) e unha feita. Quase não chegou lá na usina. Para levá-la de volta, construímos uma caixa um tipo de camarote em cima do jirico, pendurada para não bater tanto e estofamos o mesmo assim ela sofria um pouco menos. Mas tinha outras que desistiram depois de uma ou duas horas”. - Outro fiscal ficou pasmo quando ele percebeu que eu cortava unicamente pau-rosa. Podia ter ao lado a madeira mais valiosa, mas eu não cortava.

Os trabalhadores, contratados por três meses seguidos, sem interrupção, passam três meses dentro da floresta, ao lado da fábrica. Sua rotina diária é muito dura e na verdade só é interrompida pelas refeições. No café da manhã, há bolachas, cuscuz de milho e café. Nas demais refeições, sempre arroz e feijão com jabá, carne salgada, macarrão e farinha d´agua, uma espécie de farinha de mandioca crocante. Eles brincam, riam e se provocam sem parar tiravam sarro um dos outros sem trégua. À noite, todo mundo, ninguém se ausenta, assiste o episódio diário da novela da Globo na televisão com a parabólica feita com latas recicladas. Álcool é estritamente proibido. Os trabalhadores estão todos em excelente forma física. O mais velho, de 71 anos, certa vez pegou um cabo de vassoura nas mãos e pulou sem ficar sem fôlego, para frente e para trás, para frente e para trás. Quase todos são analfabetos. Muitos conseguem ler alguns números, talvez até dez, mas depois de quinze eles se confundem. Ninguém se importa. Ninguém liga. Não importa para eles. Eles não tem ambições na vida. Mas também não passam fome e podem viver bem com o que têm. Manuel Lulu, um deles, me disse uma vez: "Sei fazer tudo! Motosserra, caça, pesca, tudo. Só não sei fazer leitura não." -Nas cidades, no entanto, as pessoas geralmente estão magras, abatidas, sofreram vários ataques de malária e fumam e bebem muito.

Perfumista francês cheirando amostra da casca de pau-rosa

Dona Neta: “Lá dentro, eu empregava uns 30, no máximo 40 homens, trabalham em três ou quatro equipes. A primeira equipe, três ou quatro homens, quando quase não sobrou madeira, cinco ou sete, vasculham a floresta. Eles deixam os pau-rosas marcadas. Assim ninguém outro mexe. As folhas do pau-rosa se destacam pelo seu brilho. Mas reconhecer pau-rosa não é fácil não. Já muita gente estudiosa se enganou. "Os únicos que nunca erram, são os caboclos. Conhecem a floresta como ninguém! Sabem exatamente onde encontrar o pau-rosa. Se querem identificar uma árvore de pau-rosa, quebram algumas folhas, cheiram as mesmas, mordem ou até lambem neles. Às vezes eles cortam um pedaço de casca e também mordem. Eles nunca se enganam."- Seu trabalho hoje é fora da legalidade. Mas quando você pensa nas enormes distâncias, percebe o quão ilusório o pedido por fiscalização.

Eduardo: “Até hoje invejo como eles se orientam na floresta. Eles nunca se perdem! Nunca descobri o segredo deles. Entram de um jeito e saem de outro. Andar na floresta é muito agradável. Você anda a sombra das copas das árvores, lá é fresco, não há muitos mosquitos, apenas a umidade não é legal. Meu jeans vivia encharcado. Os homens andam muito rápido, não é nem um pouco fácil de acompanhá-los. Vê-se muito poucos animais. Eles dizem que existem macacos, onças, pequenos veados e, claro, muitos microrganismos e insetos. As cobras são, ao que parece, poucas.

A primeira equipe volta à fábrica a cada 20 dias. Na floresta, deixaram referências precisas onde há uma árvore de pau-rosa para derrubar. Normalmente, são encontradas cerca de cinco exemplares das árvores cobiçadas por hectare. A segunda equipe sai da fábrica depois da meia-noite, por volta de uma hora da manhã, só regressa na noite do dia seguinte, por volta das 21 horas. Os homens dormem durante o dia em qualquer lugar, por exemplo, sob os troncos cortados. Em cada viagem, um dos tratores quebra, o que leva a pausas involuntárias ou porque faltam peças ou algo assim. Mas os homens sempre dão um jeito. Se ninguém conserta o trator ou o destilador, Dona Neta resolve o problema. Ela é a melhor mecânica de todos. Faltando peças, ela escreve uma mensagem, deixando-a na beira da estrada, onde uma da sua equipe a apanha, compra as peças e a traz na próxima viagem.”

Destilação de pau-rosa

Não cortam as árvores com diâmetro de menos que quatro palmos de roda (cerca de 30 cm de diâmetro). Serram os troncos cortados em pedaços de um metro e os transportam para a fábrica. Chegando perto, derrubam as madeiras sobre uma ladeira, arrastam-nas para a trituradora e pequem. Com os pedaços menores do que uma caixa de fósforos, eles enchem a dorna, uma espécie de panela de pressão gigante de 1500L. Não desprezam galho nenhum. Todos os galhos, tudo é destilado. A caldeira que produz o vapor para destilação é muito antigo, deve ter 15 ou 20 anos e vem de um navio sucateado.

Destilador experimental e portátil, hoje no laboratório da universidade

O processo é simples. A destilação é feita a vapor. O vapor sobe uma panela enorme, penetra na madeira e arrasta o óleo da madeira que são condensados em condensadores. Quando a mistura de vapor e óleo esfria, o vapor reverte para água, que se separa automaticamente do óleo. O óleo só precisa ser coado e depois engarrafado em barris que serão levados para a estrada na próxima viagem. A Dona Neta vendia apenas para um único atacadista que depois exportava o óleo. O relacionamento com o atacadista vai muito além da compra do óleo. É um tipo de dependência oculta. O atacadista ajuda com empréstimos quando Dona Neta, como sempre, está em dificuldades financeiras, mas paga apenas metade do preço do mercado.

Uma fina camada amarela de óleo de pau-rosa por cima da água

Outra parte da jornada levou Eduardo rio abaixo até Santarém. Ele viajou num navio de linha. Esta é a maneira mais barata e popular de viajar na Amazônia, por isso os barcos estão quase sempre carregados ou até sobrecarregados. Navios antigos, de ferro, se encontram frequentemente em condições questionáveis. Importados nos anos trinta ou quarenta da do século passado da Inglaterra, oferecem apenas um mínimo de conforto. Durante toda a jornada, dia e noite, se espalha uma densa floresta de redes no convés superior, uma pertíssima da outra. Sem privacidade se espalham redes em todos os cantos, bagagem, pessoas, famílias inteiras, com crianças, mala, cuia e bebês, sem esquecer sua carga valiosa: Eletrodomésticos, autopeças, bicicletas. Fazia tanto frio nessa viagem que Eduardo ainda se lembra com relutância: - "Nunca na minha vida senti tanto frio como a noite neste maldito navio!" – Prontamente Eduardo chegou em Santarém com gripe.

Continuou, no entanto, até a estação Curuaúna. Perto de Santarém, chamado de "Centro da Tecnologia da Madeira", e pertencia à SUDAM, uma agência governamental. A viagem durou de 3 a 4 horas por terra e mais 40 minutos de barco. A estrada era nova. - "Demorava antigamente mais de 10 horas para chegar lá." - A estação, fundada há trinta anos pelos americanos, é muito especial porque fica entre três ecossistemas muito diferentes. Terra firme, várzea e igarapés. A primeira é uma floresta primária, cujas árvores ficam de um a um metro e meio debaixo d'água por seis meses. O ecossistema, as plantas, os peixes e os animais estão tão perfeitamente adaptados às condições que as árvores murchariam imediatamente se fossem transplantadas para um solo normal. Depois tem a parte chamada “Várzea”. O solo é inundado durante a estação das chuvas, mas permanece seco durante o resto do ano. Aqui a terra é muito fértil, uma das mais férteis de toda a Amazônia, onde o solo costuma ser arenoso ou argiloso. Também aqui existem plantas especializadas, perfeitamente adaptadas às extraordinárias condições. Se a água não subisse e submergisse as plantas uma vez por ano, todas morreriam. A última parte é terra "firme e seca". Argiloso, pobre, a única fonte de alimento é uma fina camada de folhas pretas em decomposição lenta.

- "Eu morava em uma casa de madeira, construída por americanos no padrão de casas americanas. Uma arquitetura que não tem nada a ver com a arquitetura local. Por isso, era simplesmente inimaginavelmente quente dentro da casa. ”Além disso, todas as janelas e portas estavam cobertas com telas. Há malária e, quando a noite cai, os mosquitos que transmitem a malária começam a voar. Só restava se retirar por dentro da casa. O gerador será desligado às 19:30. Graças a Deus pelo menos a comida, o "rancho", era muito bom. Foi trazido de longe e consistia em farinha, peixe salgado, macarrão, feijão, todos enriquecidos com peixe fresco e caça. Ao lado da estação vivem cerca de 30 famílias. Sua vida segue sempre a mesma rotina, eternamente. Eles pescam, caçam, jogam bola, são pessoas simples e com pouca instrução. A sua ignorância me chocou. As mulheres pareciam escravas. Os homens bebem muito."-

- “Na minha última viagem com seu Raul no Rio Negro adoeci gravemente. Uma infecção viral. Eu me sentia mole, sem energia, sem apetite, mal conseguia ficar de pé. Tínhamos que atravessar uma boa quantidade de lama. O vírus já havia se instalado em todo o meu corpo e realmente pensei que nunca mais chegaria lá. ”- Eduardo, novamente em excelente estado, mostra as fotos: Um mar de lama negra deixado pelo rio que secou. Dois homens afundados até os joelhos na lama. Atrás deles, uma série de buracos profundos, suas pegadas. A água do rio é muito barrenta. Decanta a bordo até pode ser bebida. Com o tempo tudo fica barrento também, áspero, a pele, o cabelo, as roupas.... A Amazônia é sempre boa para uma surpresa!

Mesmo assim, Eduardo não vi a hora de voltar. Todo produtor de pau-rosa tem que plantar para cada árvore cortada uma nova, uma das prescrições do Ibama. Infelizmente, isso só funciona na teoria. Os produtores teriam que ter terreno próprio para plantar as mudas. Comprar terras e depois provar seus direitos de propriedade é muito complicado na Amazônia. “Grilagem”, a venda repetida da mesma propriedade, grandes terrenos, muitas vezes maiores que toda a Suíça, é um grande negócio aqui. Brinca-se que ninguém sabe qual andar do imóvel que lhe pertence ...

Fazenda com plantio de pau-rosa em Itacoatiara

Eduardo Matoso ao lado do destilador

Desde lá correu muita água pelos rios amazônicos. Eduardo Matoso hoje acabou de inaugurar sua própria destilaria de pau-rosa. Pau-rosa de próprio plantio, iniciado uns 8, 10 anos atrás no município de Itacoatiara. Convidou, que emoção, todos envolvidos, para sua inauguração. Dona Neta, hoje aposentada de outra vida de missionária evangélica, fez e faz muita diferença na cidade que viu crescer, Presidente Figueiredo, conhece até hoje Deus e o mundo. As duas filhas muito bem encaminhadas, obrigada. Funcionárias públicas. Já preocupada com a formação das netas. O que me chama atenção, os homens pouco aparecem nas suas estórias que são infinitas, uma mais inacreditavelmente verdadeira do que as outras. Na inauguração da fábrica não se conteve. Bateu um papo a altura com o gerente da fábrica. Perguntou quantas serpentinas o condensador dele tinha e sobre o material disse que o cobre era muito melhor, e por ai vai. Agora se fecha um ciclo e será o mercado que vai decidir, o que fazer com essa nova produção de pau-rosa de manejo sustentável, politicamente e socialmente mais correto ....

Ah, e tem Carol Schmaedeck, de Santa Catarina, cientista, outra mulher, que está desvendando no seu doutorado em biologia a genética do pau-rosa. Dessa maneira a ciência da ponte vai resolver mais um mistério, como reconhecer uma árvore de pau-rosa.

 


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