O BOTO - Alter do Chão
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Encantados pela Sereia

Encantados pela Sereia
Susan Gerber-Barata
fev. 26 - 7 min de leitura
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Está tudo lá. Lá na película: os chapéus típicos, as flores frescas no cabelo e nas chitas, estampadas em saias rodadas, as cores intensas - tão intenso como o rufar dos tambores, os ritmos, o próprio carimbó, toda uma tradição viva e genuína do Pará. Mestre Chico Malta pede a benção de Deus e a proteção do grande Tupã - primeiro no filme, depois ao vivo, iniciando mais uma Quinta-de-Mestre em frente à casa dele. A benção não é só para todos que assistem ao filme, mas também para Alter do Chão e o Lago Verde, a comunidade toda. A benção também vai para os outros mestres, e os seus grupos, todos reunidos na película “A Quinta do Mestre e a Sereia”.  Elaborado pelo C.A.N.O.A. – Coletivo Audiovisual Nos Olhares da Amazônia - o belo filme, feito a partir de um projeto de extensão coordenado pela professora Luciana França e desenvolvido por um grupo de estudantes do curso de Antropologia da UFOPA, foi lançado dia 20 de fevereiro em mais uma esplêndida Quinta do Mestre e a Sereia.

Uma parte dos alunos que formam o coletivo C.A.N.O.A., todos estudantes de antropologia da UFOPA. Ao lado direito a professora Luciana França, juntos responsáveis pelo filme A Quinta do Mestre e a Sereia.

Pergunto ao Mestre Chico Malta se ele estava contente com o filme. Dá para ver a alegria nos olhos dele. Mestre Osmarino não se contém. Dança aquele carimbó com uma bela sereia. Aquela sereia do filme cujo papel é de intermediária, de encantadora, é ela quem leva todos para dançar, mesmo sendo difícil resistir ao ritmo puxado pelo carimbó! Aqui uma pequena amostra do filme:

O filme A Quinta do Mestre e a Sereia

O filme "A Quinta do Mestre e a Sereia" nasceu de uma ideia da professora  Luciana França, antropóloga  que acompanha o movimento musical do carimbó em Alter do Chão. Esposa de Mestre Hermes do Kuatá do Carimbó, ela viu de perto como o movimento ganhou forças, pegou fôlego e deslanchou. Em nível local, a Quinta do Mestre já virou uma referência para as famílias de Alter do Chão e de Santarém. Nacionalmente o Carimbó foi reconhecido em 2014 como patrimônio imaterial do Brasil. Sobre a experiência a própria Luciana diz:

O filme não só quer documentar um movimento crescente da valorização das nossas raízes, mas também expressa a preocupação cada vez maior de que a Universidade seja capaz de interagir com a comunidade e de devolver algo a ela.

E isso o filme entrega. Todos os envolvidos, professora Luciana junto com os seus estudantes Luana da Silva, Juliana Bentes, Bruna Sannae, Felipe Hermínio, Pedro Alcântara, Henrique Maia e Gabriel Baena, estão contentes e aliviados.  O trabalho foi suado. Não foi nada fácil como contam os estudantes:

Tínhamos que estudar, além do próprio movimento do carimbó, também como filmar, como usar uma câmera, a luz, para depois pensamos em aprofundar como contar uma história, elaborar um roteiro.

A Quinta do Mestre então se tornou o lugar da observação e da experiência. A regularidade do evento permitiu que os realizadores pudessem aprender a fazer, fazendo. A cada Quinta filmada, uma nova lição: as noites exigiam mais luz para as imagens, as entrevistas precisavam que o som fosse mais bem captado e assim por diante.

Pouco a pouco, além dos detalhes técnicos, a equipe foi compreendendo também a estrutura do evento, seu código de valores, o que foi muito importante para enfrentar outro desafio: editar o material colhido e dar-lhe o acabamento de um filme de verdade. O processo durou um ano e meio. Os estudantes enfatizam que foi preciso ter disciplina, especialmente para pegar de volta o ônibus bem cedo na sexta-feira de volta para Santarém, para não perder nenhuma aula na UFOPA. O momento da divulgação agora é prazeroso. Com a recepção calorosa todos se sentem gratificados e já estão planejado de exibir o filme novamente na casa do Mestre Osmarino e em alguns eventos na UFOPA. Depois ele vai ganhar o mundo e deve ser enviado para vários festivais de cinema por ai.

Código de valores

Nas entrelinhas do filme se revelam o código de valores, das referências. É o próprio Mestre Chico Malta que se coloca no filme junto com todos os outros Mestres numa linha estreita e vigorosa, tecida por uma tradição de saberes ancestrais. A música tradicional, vista como um patrimônio, vivo na voz e nos instrumentos, estabelece o elo, em cada celebração, entre todos os Mestres: os mais famosos, os já falecidos e os atuais, vivíssimos, que serão seguidos pelos mais novos. O carimbó começou lá atrás e continuará, cada vez mais vivo, cada vez com mais força, como diz com tanta convicção Laudivan Kumaruara, neto do mestre Osmarino, fechando o belo filme.

E há a mesa, reservada aos Mestres do Carimbó. Posta sempre na praça em frente a casa do mestre Chico Malta. A mesma casa que foi transformada por iniciativa própria do Mestre Chico Malta em Centro de Referência do Carimbó. O filme revela nas entrelinhas a almejada busca por reconhecimento e respeito, ainda não plenamente alcançada. Por isso, a mesa é simbólica. Sentados nessa mesa os Mestres convidados e homenageados observam todo o movimento e recebem as devidas referências da sereia, do público e todos os outros. 

Hoje é a professora Luciana que se sentará a mesa reservada, ao lado do Mestre Osmarino, Mestre Chico Malta e o artista plástico José Roberto Aguilar que será homenageado pelo painel expressivo elaborado em conjunto outros artistas na casa do Chico Malta.

O Carimbó se adapta

Mas como tudo, o carimbó também e capaz de mudar, se adaptar. Ou como já a querida Dona Onete conta da altura da sua sabedoria de idade avançada:

Hoje as mulheres também têm vez e voz no Carimbó! 

Conta como ela mesma foi proibida, por muitos anos, de cantar carimbó. Simplesmente por ser mulher! Dessa pequena revolução o filme também conta. Fala como foi importante para o próprio Movimento de Carimbó do Oeste do Pará a participação do grupo das Suraras do Tapajós. Liberando as mulheres do papel muito bem explorado das belíssimas sereias. De repente as caboclas todas podiam subir no palco. Não há no grupo Cobra Grande aquelas mulheres poderosas que se apelidam carinhosamente de cobras criadas? Cavalgam os tambores, rufando com louvor.

A noite termina com a segunda benção de Mestre Chico Malta. Peço a benção também a ele e aos outros mestres: o mestre Hermes, do Kuatá de Carimbo, mestre Paulinho Barreto, do Tatu Kanastra e mestre Osmarino, do grupo Kumaru. A benção também às mestras Suraras do Tapajós e à mestra Luciana junto com o seu criativo coletivo C.A.N.O.A.! Peço a benção de Deus e a proteção de Tupã para o filme, para o carimbó! A noite termina com gratidão. Reunidos, os tambores vibram nos ritmos da terra, rufam, puxando mais um carimbó. Ninguém fica sentado quando os mestres chamam. Viva a Quinta do Mestre!

Rolando mais uma Quinta do Mestre, lá no centro de referência ao Carimbo.


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