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Cor alterada no rio Tapajós - reflexões sobre o aumento da turbidez e suas possíveis causas

Cor alterada no rio Tapajós - reflexões sobre o aumento da turbidez e suas possíveis causas
Andrea Ambrozevicius
fev. 7 - 14 min de leitura
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Recentemente os moradores e a mídia perceberam uma alteração anormal da turbidez das águas do Rio Tapajós, próximo a foz, no Município de Santarém. O assunto ganhou repercussão e tem sido tema de matérias na imprensa, até mesmo em nível nacional, focando na mineração ilegal como principal causa da coloração acentuada da água.

No entanto, deve-se avaliar o rio de forma holística, num contexto de bacia hidrográfica, sofrendo todos os impactos da ocupação e das atividades realizadas, tanto em seus corpos de água afluentes (rios menores que fluem para rios maiores, que por sua vez fluem para o rio Tapajós), quanto nas áreas terrestres adjacentes (matérias e substâncias dessas áreas são carregadas para os rios). Ou seja, não se pode avaliar o problema olhando apenas pontualmente para o distrito turístico de Alter do chão, mas ampliar o olhar para além das fronteiras políticas dos estados.

O que se apresenta é muito mais grave do que apenas a alteração da cor do rio, que por si só já traz impactos imediatos no turismo e na economia. Os impactos se estendem aos ecossistemas, à saúde pública e ao modo de vida de populações tradicionais. É um sinal de saturação de um sistema que é tão grandioso que apenas um grande desastre natural e/ou um somatório de atividades antrópicas impactantes, com efeitos sinérgicos, poderiam resultar em uma alteração tão drástica a ponto de ser detectada até mesmo por imagens de satélite.  Como não temos identificado nenhum desastre natural com tais proporções, vamos elucidar sobre as atividades humanas que têm causado tais impactos.

O território que influencia as águas do rio Tapajós é muito extenso e inclui áreas protegidas, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, e áreas não protegidas, que, carecem de fiscalização dos órgãos competentes para o cumprimento da  legislação vigente quanto ao ordenamento de seu uso ..

Apesar de existirem atividades ilegais e impactantes ocorrendo dentro das áreas ditas protegidas, é evidente e possível observar em imagens de satélite e de sobrevoos realizados que as áreas mais impactadas da bacia, que sofrem forte influência dos projetos agropecuários e demais atividades que suprimem a cobertura florestal, incluindo a mineração, estão localizadas fora essas áreas ditas protegidas. Apenas para demonstrar e não se fazer uma análise simplista concluindo que as áreas protegidas instituídas pelo governo não servem para nada, como ouvimos frequentemente.

O rio Tapajós é formado pela confluência do rio Teles Pires com o rio Juruena, em Barra de São Manuel, na fronteira entre Pará e Mato Grosso, e percorre uma extensão de aproximadamente 800 km até desaguar no Amazonas. Devido sua extensão, o rio Tapajós e suas adjacências são frequentemente divididos em três trechos principais, a saber:

  • Baixo Rio Tapajós – entre a foz do rio Tapajós em Santarém e a sede de Aveiro;
  • Médio Rio Tapajós - entre a sede de Aveiro e São Luiz do Tapajós;
  • Alto Rio Tapajós - entre São Luiz do Tapajós e a junção dos Rios Juruena e Telespires, formadores do Rio Tapajós, na divisa de Estados Pará e Mato Grosso.

Por localizar-se a jusante, antes de desaguar no Amazonas, o baixo rio Tapajós, onde localiza-se Alter do Chão e Santarém, acumula diversos impactos e influências gerados a montante (rio acima).

Cabe ressaltar que a maior parte da água que forma o rio Tapajós é proveniente dos seus principais rios formadores, Juruena e Teles Pires, localizados fora do estado do Pará e que sofrem também perturbações relacionadas à mineração e às atividades agropecuárias. Outros afluentes como Jamanxim, Rato e Crepori tem importante contribuição em relação ao aporte de sedimentos ao rio Tapajós, nos quais as atividades de mineração são intensas. Aqui já se começa a ter uma ideia da importância de tratar o tema numa arena mais abrangente.

Certamente as atividades de mineração, especialmente aquelas ilegais, são fonte de poluição e de contaminação dos rios e contribuem, também, para a situação atual observada. Em atividades de mineração incluem-se a retirada da vegetação, o revolvimento do solo, o uso e descarte de substâncias químicas e ainda o possível transbordo de barragens de rejeitos na estação das cheias. Mas, além da mineração, existem outras possíveis causas para o aumento da turbidez do rio, que estão sendo avaliadas e que podem contribuir em maior ou menor grau para as alterações existentes. Dentre essas possíveis causas destacam-se: aumento da pluviosidade na região, devido ao efeito La Niña; incremento na quantidade de algas; carreamento de sedimentos devido à erosão de solos próximos aos rios da bacia – devido a remoção das florestas para retirada de madeira e para atividades agrícolas e pecuárias.

Como premissa a qualquer avaliação, temos que pontuar que é natural certo aumento da turbidez do rio no período chuvoso, seja pelo aumento de sedimentos carreados, seja pelo aumento da matéria orgânica e sua decomposição (folhas, galhos, serrapilheiras, restos insetos e pequenos animais), gerando ácidos húmicos e fúlvicos. Estamos, portanto, avaliando as questões que levaram a um aumento incomum da turbidez nessa época do ano.

Em relação às chuvas, dados de estações pluviométricas próximas a Santarém apontam que estão um pouco mais intensas que nos últimos anos. Mas como a bacia hidrográfica sofre influência de chuvas muito mais distantes, nas áreas de drenagem também de seus rios afluentes e cabeceiras, devemos avaliar a cota do rio (equivalente ao seu nível), que permite uma avaliação indireta da pluviosidade, em uma escala mais abrangente – a cota máxima que o rio atingiu no último mês de janeiro (577 cm) apresenta-se acima das cotas máximas atingidas em janeiro dos últimos dez anos, conforme gráfico a seguir, feito a partir de dados da Agência Nacional de Águas (Hidroweb/ANA). Neste contexto, cabe citar que La Niña é um fenômeno cíclico natural, não tão conhecido como seu irmão El Niño, e que está ocorrendo neste período. La Niña é caracterizada por um esfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical, com efeitos opostos aos do El Niño, causando então aumento das chuvas e prolongamento do período chuvoso na região da Amazônia.

Faço um parêntese para mencionar a questão do Canal do Jari, que foi citado em algumas matérias como possível causa para a alteração da cor do rio Tapajós, por proporcionar injeção de água do rio Amazonas no rio Tapajós, a montante (antes) de sua foz. Primeiramente cabe enfatizar que mesmo que as águas do canal do Jari influenciem a cor do rio Tapajós na altura de Alter do Chão e adjacências, não teria vazão (medida de velocidade da água e volume) suficiente para levar essa influência até o médio rio Tapajós, que é onde se tem a cor mais acentuada. A injeção de águas do Canal do Jari no rio Tapajós é eventual, pois depende da hidrodinâmica dos dois rios (Amazonas e Tapajós), que estão na cheia no mesmo período, porém recebendo água de bacias hidrográficas e áreas de drenagem distintas. A injeção de água do Jari no Tapajós pode ser acentuada na época de chuvas, porém sua dispersão é relativamente pontual, como pode ser visto em imagens aéreas.

Relativo às algas, experiências anteriores, referentes a rápida variação de turbidez de cursos d’água grandes como o rio Tapajós, foram relacionadas à proliferação principalmente de algas cianofíceas (gênero Microcystis), o que estar contribuindo para a situação atual , já que o período do ano proporciona favorecimento de condições, tais como abundância de nutrientes, aumento do fotoperíodo (quantidade de horas do dia com luz) e da temperatura da água. O aporte aumentado de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, também pode intensificar a proliferação das algas, e pode resultar de um conjunto de fatores, como erosão, uso de fertilizantes, desmatamento da mata ciliar e esgotamento sanitário inadequado de municípios ao longo do rio. Neste contexto também deve se considerar a contribuição dos lagos no período chuvoso para o rio Tapajós, carreando suas algas, após um longo período em que estavam desconectados. Ademais, a sobrepesca dos predadores das algas (peixes como maparás, por exemplo), pode ser mais um fator para sua proliferação excessiva. Por fim, sobre as algas, algumas espécies podem produzir toxinas que têm potencial de contaminação de peixes, e consequentemente introduzidos na cadeia alimentar que tem o ser humano como espécie topo de cadeia (consumidor de animais que são consumidores de outros animais).

Um problema crônico já identificado e que tende a piorar com o acúmulo de contaminantes, associados à turbidez do rio, como metais pesados, é a contaminação das pessoas, em especial comunidades indígenas e ribeirinhas consumidores de peixes diariamente – existem inclusive casos comprovados entre os indígenas da etnia Munduruku de alterações congênitas neurológicas.

Por outro lado, as alterações ecossistêmicas e seus impactos à biodiversidade também já estão instalados, independente da reversão imediata dessa contaminação, cuja cor é apenas “a ponta do iceberg”. Essas alterações podem ser sutis, como alteração do albedo do rio (capacidade de reflectância), que interfere na luminosidade e temperatura, com consequências em toda a biota (organismos vivos), até mudanças nas espécies dominantes devido às alterações químicas e físicas do rio, que é seu habitat. Ademais, as plantas e animais terrestres que utilizam o rio também são impactados com as alterações no mesmo.

Com objetivo de investigar o possível aumento anormal na turbidez das águas do rio Tapajós e seus efeitos diversas instituições e órgãos governamentais e não governamentais têm somado esforços para atuar também de forma sinérgica na resolução do problema, reunindo subsídios para melhor gestão. A variação da turbidez/coloração do rio deve ser monitorada com metodologias de análises de satélite e análises físicas, químicas e biológicas de amostras da água, para averiguar parâmetros importantes na avaliação de riscos, tais como sedimentos, coliformes fecais, oxigênio, nitrogênio, fósforo, demanda bioquímica de oxigênio, algas, toxinas e aqueles relacionados à possível contaminação pela mineração, principalmente mercúrio e cianeto, não apenas nessa situação momentânea, mas em caráter permanente

É crucial que Comitês de bacia hidrográficas sejam estabelecidos e fortalecidos, já que se trata de um instrumento de gestão que prevê participação de entes das esferas municipal, estadual e federal e atores da sociedade civil, além dos usuários de recursos hídricos.

Em resumo, a ocorrência de chuvas acima da média na bacia do Tapajós influencia diretamente o carreamento de sedimentos da bacia para o leito do rio, somado o aporte natural aos efeitos da El Niña e aos impactos das ações antrópicas, temos essa alteração muito significativa da cor das águas do rio. A tendência é que, com o término da estação chuvosa, o lançamento de sedimentos e o material orgânico na calha do rio se normalize, e a turbidez da água do rio Tapajós diminua. Mas espera-se que o grito de socorro dado pelo Rio Tapajós, que foi inicialmente ouvido, reverbere de forma que as ações planejadas de monitoramento, fiscalização e mitigação de impactos se estendam a longo prazo, para que surtem de fato efeitos duradouros.

Na esfera individual, cabe sempre pensarmos o que podemos fazer enquanto cidadãos e comunidades e, apesar de quase todas as questões ambientais terem suas causas no modo de vida das sociedades atuais – consumo dos recursos naturais de forma insustentável e consumo de carne de um sistema nada ecológico - esse assunto não é colocado de forma midiática, como o garimpo ilegal.

A maior parte da remoção da floresta é para implantação de pastagens, para produção de carne bovina ou para as plantações de monoculturas, especialmente de soja e de milho, para fabricação de ração, que, em última instância, também têm a função final de alimentar os animais que serão abatidos para alimentar os seres humanos. A consciência ambiental passa pela mesa, e ser ecológico não é mais apenas uma escolha, é uma estratégia de sobrevivência enquanto humanidade e tem que ser da boca para dentro. No entanto quem está disposto a reavaliar seus hábitos alimentares e de consumo?

 Não é preciso que todos virem veganos e parem de comprar coisas, mas a diminuição do consumo de carnes de todos os tipos e as escolhas de compra mais conscientes são questões fundamentais para começarmos a busca pelo reequilíbrio do nosso ambiente, seja na escala de Alter do Chão, do Pará, do Brasil, da América do Sul ou do planeta!

 

Andréa Pimenta Ambrozevicius

Mãe, ecologista, preocupada com o futuro da nossa casa Terra. Formada em Ciências Biológicas pela UNESP, Mestre em Ciência Ambiental pela USP, Especialista em Saneamento pelo IFCE/ANA, Especialista em Recursos Hídricos da ANA cedida para o ICMBio de Santarém/PA.


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