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Copaíba, Andiroba e Jucá – o trio que cura

Os remédios naturais da Amazônia ainda precisam de muito estudo científico para comprovar sua eficácia.
Susan Gerber-Barata
jun. 28 - 16 min de leitura
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Muitas mães amazônicas garantem que a famosa “embrocação” – qualquer Nortista sabe do que estou falando – funciona! Cura garganta inflamada no máximo em 24 horas. E banha o seu dedo embrulhado em gaze ou algodão mais uma vez na mistura de Andiroba e Copaíba a qual, a gosto, ainda pode ser ajuntado com mel, alho cru, limão e própolis. E enfia esse dedo - aguente firme! - nas profundezas das gargantas inflamadas. Não só funciona como a eficácia dessa técnica, aquela dos seus ingredientes, foi recentemente comprovada pelo cientista e recém-doutorado José Sousa Almeida Junior. Ele estudou e comprovou cientificamente que o trio Copaíba, Copaifera reticulata, Andiroba,Carapa guianensise e Jucá, Libidibia ferrea tem o poder de cura!

Surge uma questão. Se qualquer mãe amazônica conhece o poder desses óleos e resinas – porque o seu poder de cura precisa ser estudado cientificamente? Não é suficiente que essa sabedoria foi repassada de mãe pra filha e todo mundo aqui na Amazônia saiba que tem poderes anti-inflamatórios, cicatrizantes e antibióticos? Desculpe, não é suficiente não. Porque tem um porém: Nem tudo que é natural automaticamente faz bem. Por outro lado, com ajuda da ciência, aqueles remédios naturais com o poder da cura podem ir muito além. O nosso mundo está em constante evolução. Nada mais do que natural que a ciência moderna seja chamada para aprender, reavaliar e redirecionar o que os ancestrais amazônicos já sabiam. E quem sabe, contribuir com isso de preservar um mundo ainda muito pouco conhecido, um mundo chamado Amazônia. Vamos nos aprofundar um pouco nesse universo que está se equilibrando entre dois mundos – uma perna se fixa na ancestralidade, outra finca no mundo moderníssimo.

Regra básica caboclo – remédio natural toma-se sete dias, depois para

Hélida Amorim, moradora de Alter do Chão, é grande apreciadora e conhecedora da “Farmácia Viva da Floresta” como ela gosta de chamar os seus remédios naturais. Seu repertório é abrangente. Aprendeu tudo com sua família, as tias e enfatiza que lá nos interiores antigamente era remédio natural ou nada. Internalizou também uma regra básica! Remédio natural se toma com cuidado:

“Remédio natural sempre se toma durante sete dias, depois para.”

Chama a Copaíba, uma rezina, com muito respeito de “sangue da árvore” e recomendo que se evita expor essa seiva valiosa ao luz. Costuma-se até tirar ela somente na lua nova. E conta que tem gente que até toma gotinhas desse líquido pegajoso. Lembra que conhecia de duas pessoas que, tomando gotinhas de copaíba, se curaram de um câncer. Parece que não respeitavam a regra acima. Ficar por perto exalavam o cheiro típico da rezina que se tinha impregnado na sua pele.

Dona Hélida usa a Copaíba, como a maioria, só externo, por exemplo, para tirar uns sinais da pele. Quando sinta que as articulações estão doendo, usa Andiroba que também é ideal para melhorar a circulação e amenizar batidas. Nos interiores o óleo de Andiroba até hoje é campeã em combater piolho e carrapato. E conhecido sua ação contra aquela coceira que fica depois da picada dos mesmos.

Rosangela Ferreira dos Santos, outra moradora de Alter confirma todas essas alegações. Conta que já tomou gotinhas de Copaíba! Tomou para um problema de saúde bem grave e se curou. Além disso, aposta no chá de Jucá que sara infeções uterinas e por isso facilita engravidar.

Curandeiro, erveira e puxador - curando a maneira amazônica

Quem vive na Amazônia, observa um mundo fascinante de curas das mais variadas. Convivem lado a lado os herdeiros dos povos originários, figuras centrais como xamãs ou pajés, que são ao mesmo tempo o sacerdote, curandeiro, conselheiro, vidente e feiticeiro. Acredita-se que são não só para curar doenças, mas também agir sobre a fertilidade da terra e das plantas, a fecundidade dos seres humanos e dos animais. Sua função vai de aconselhar até modificar as condições atmosféricas. Parte do seu poder se manifesta em êxtases, através de sonhos, alucinações, consumo de bebidas e fumaças sagradas. Os povos indígenas não usam as plantas alucinógenas como meio de fuga ou de evasão, mas como meio de comunicação com o mundo espiritual, ganhando dessa maneira confiança para enfrentar a vida.

Esse tipo de sábio/a indígena, os/as curandeiros/as consequentemente podem ser chamados de primeiros etno-farmacognósticos/as brasileiros/as. Estudaram, avaliaram e repassaram o seu conhecimento de forma oral de geração em geração. A sua cura era e é diferenciada. Os curandeiros/as indígenas praticam uma visão mais ampla, sobre a natureza e a cura que ela nos oferecia. Enxergam doenças como um tipo de desequilíbrio que precisa ser novamente equilibrado. Não só conviviam de maneira crua e direta com a natureza amazônica, as florestas amazônicas, como aprenderam a destilar dela tudo que lhes permite conviver com esse ambiente nada hostil. E também tirar dela poderes que curam.

Doutores caboclos - puxadores, benzedeiras e outros

No rico universo amazônico convivem além dos povos originários vários outros povos de origem bem distintos. Cada grupo preserva e cultua a sua sabedoria ancestral. Erveiras, puxadores, benzedeiras, curandeiros de todos os tipos dão sua assistência para pessoas necessitadas, cada um com seu dom e especialidade. Uns recorrem aos espíritos, donos dos remédios, a permissão de uso e a cura para a doença, realizam rituais de cura, atraindo bênçãos para os doentes. Outros são conhecedores profundos das ervas, e qualquer mercado amazônica tem uma secção especializada em remédios da natureza.

Curandeiro, ethnobotânica e ciência de mãos dadas

Desde cedo um braço da ciência, essa tal de ethnobotânica, estuda esse conhecimento popular. Ainda se tem muito a descobrir dentro desse conceito amplo e às vezes também polêmico e político. Outro braço da cadeia de investigação é aquele profissional que se chama farmacognosto. Ele é do ramo da ciência médica, multidisciplinar e investigam substâncias vegetais, animais e minerais com o fim de estudar as propriedades físicas, químicas, bioquímicas e biológicas dos mesmos. Para o trabalho de doutorado que comprovou a eficácia de Copaíba, Andiroba e Jucá se juntou o Dr. Waldiney Pires de Moraes ao time. Ele trabalha exatamente nesse campo.

É a ciência, aqui falamos especialmente de farmacognosia, dizem que não é suficiente não que um curandeiro, uma erbeira, uma mãe amazônica sabem que planta, raiz, casca ou até banhas ou extratos de animais que curam determinada doença. Infelizmente a ciência nos diz que o que faz bem também pode fazer mal. Tudo depende dos mais variados fatores de uso, aplicação dosagem e por aí vai. Como já Paracelsus, um famoso médico europeu, diz:“Dosis sola facit venenum” (1538) em tradução livre “só a dose faz o veneno”, seja um medicamento, alimento ou qualquer outro produto, não se pode abusar da dose. Os dois trabalhando juntos quem sabe podem salvar parte da Amazônia. Quando estudam e comprovam como a floresta em pé e tudo que tem dentro dela é valiosa. Por isso a ciência em geral pode ser uma grande aliada não só quando se trata de produtos naturais que curam.

Remédio, especiaria ou aroma? A escolha é sua!”

Quem entra no mundo fascinante das ervas, madeiras, sementes e condimentos amazônicos, o saber indígena e caboclo, já deve saber que todos esses servem para fins mais variados e complementares. A mesma erva trata o corpo quanto a mente. Medicinal, também é usado em banhos cheirosos e mágicos ou envolve corpo e alma com fumaças perfumadas, espanta males ou fecha o corpo e é indispensável na produção de perfumes caseiros cujo cheiro a umidade amazônica só intensifica. Ingeridas, garrafadas e licores curam, ajudam na digestão ou até curam males.

Olhando para a história mais recente, ampliando mais o horizonte, surge outra pergunta. Já ouvi falar das “Drogas do Sertão”? A palavra “Drogas do Sertão” foi cunhada pelo colonizador branco que submeteu as colônias além-mar para explorá-la. O império lusitano se tornou uma dos mais poderosos do início da modernidade. Possuía o monopólio de trazer especiarias das Índias. Quando enfim esse monopólio foi quebrado e outras nações entraram no negócio, isso impulsionou a exploração da região Norte do Brasil. Os produtos explorados eram dos mais variados, receberam todas a alcunha de “Drogas do Sertão”. Termo usado, sobretudo, para referir-se a produtos naturais para uso culinário, medicinal, artesanal e manufatureiro, como Urucum, Guaraná, Castanha-do-Pará, Algodão, Fumo, além da Quinina, Cumaru, Preciosa, Embiriba e claro, novamente Andiroba, Copaíba e Jucá.

Nome popular é pouco confiável

Já tentou comprar Alfavaca ou Capim Limão? Nos dois casos o/a vendedor/a vai lhe vender uma ampla gama de várias espécies com o mesmo nome. Andiroba por exemplo o povo distingue Andiroba e Andirobinha e mesmo os botânicos recentemente reclassificaram a Andiroba em quatro espécies. Para quem quer estudar essa riqueza a fundo precisa do nome em latim de cada planta que pretende estudar. Já que tem quatro espécies de Andiroba, será que todos têm os mesmos poderes ou mais cientificamente, a mesma composição química? E quem já tentou identificar uma planta pelo Google sabe, muitas vezes as plantas amazônicas dão um banho mesmo em botânicos experientes. Pouco da riqueza amazônica ainda foi estudado e classificado cientificamente.

Uma vez identificada, seguimos para os processos para obter no caso da Andiroba o seu óleo. Tradicionalmente as sementes da Andiroba são processadas expostas ao sol e o óleo obtido de um processo que poderia também ser descrito como apodrecimento. Isso interfere na sua composição química? E com isso no seu poder de cura? E aqui entra o laboratório químico para determinar o que seja aceitável e o que não. Mais tarde a planta chega até um tipo de jardineiro extremamente especializado que cruza as plantas comprovadamente com o maior poder de cura para chegar a um tipo de superplanta que enfim garante um fitomedicamento confiável e natural. Até se chega lá vale a pena observar antes de confiar cegamente. Um dos grandes problemas, bastante óbvios com plantas medicinais, é a sua colheita inapropriada e seu armazenamento inadequado. Se cheira fungo, joga fora.

Princípio ativo ou conjunto de princípios ativos?

Já viu uma árvore correr? Plantas se fincam sempre no mesmo lugar. Ao longo da evolução desenvolveram as mais ingênuas defesas contra qualquer praga que lhes ameaça. Defendem-se contra fungos, parasitas, vírus e bactérias. A medicina popular com sua sabedoria intensa se aproveitou disso e até hoje nos vastos interiores amazônicos chás, extratos de sementes, raízes e cascas são os mais importantes meios de cura disponíveis. E temos uma tendência natural como humanos de querer crer nessas curas muitas vezes vendidas como milagrosas. Dr. Google nos brinda com muita informação, nem sempre confiável.

Aqui entre o que não deve ser subestimado, o efeito placebo. Quem acredita que aquele médico, curandeiro ou remédio faz milagre, tem chances reais de se curar com algo que a luz da ciência não tem o menor poder. Mas vale lembrar, remédio “natural” vem sem bula, sem indicação de dosagem, sem informação como foi processado, extraído ou misturado e por fim, muito importante na Amazônia, como foi estocado. Muitas pessoas não querem saber que ervas podem ter sim efeitos colaterais, igual os assim declarados na bula dos medicamentos da farmácia.

Natural não significa automaticamente uso seguro

A ciências que estuda produtos naturais faz, igual a acupuntura e a homeopatia parte das terapias alternativas. Uma terapia em ascensão e toda a Amazônia é um tesouro ainda pouco explorado nesse sentido. O que não falta na Amazônia são plantas medicinais. Há registros de pelo menos 1450 espécies com potencial de cura. Como nunca a Bioeconomia e a sustentabilidade são palavras chaves para dar um uso menos predatório e mais consciente para aquela Amazônia que ainda está de pé. Um caminho é apostar nas suas riquezas de cura. Onde há grandes chances, também tem grandes gargalos.

Por se tratar de uma matéria prima natural, existem inúmeros componentes e variáveis que podem interferir na sua eficácia. Ou você, por exemplo, compra qualquer pupunha? Tem da mais gorda, da mais farinhenta e por aí vai. Porque você deve acreditar em qualquer copaíba, naquele óleo de Andiroba de odor não muito agradável? Uma vagem de jucá fungada? Plantas são tão individuais como humanos – quem sabe se cresceram em solo fértil ou pobre, foram recolhidos na época certa ou, por exemplo, no caso da Andiroba, já boiavam dias rio abaixo até serem recolhidas numa praia deserta. Tudo isso interfere no que se chama quantidade e qualidade dos princípios ativos, aqueles que curam.

Igual o mundo hoje todos usam celular, o que se sabe sobre as plantas que curam também se modificou. Hoje se diz, contrariando a crença popular – a palavra “natural” em si, infelizmente em nada garante que o fitoterápico funciona e não faz mal. O que faz bem e cura de um lado e, por exemplo, em curto prazo, também pode ser nocivo usado em tempo prorrogado ou em doses inadequadas. Aqui deveria entrar a ciência que comprova não só a eficácia, mas também a segurança do fitoterápico, o que nos diz essa tese de doutorado do José Sousa Almeida Junior. Ela é pioneira em vários sentidos. Não só porque estuda a fundo os três mais usados derivados de plantas na Amazônia, mas também porque comprova sua eficácia e segurança no uso.

Para chegar a um resultado com base científica sólida, precisa-se percorrer o seguinte percurso: Primeiro obter material seguro para estudo. Depois a espécie tem que ser identificada por um botânico e por último analise-se em laboratório sua química. Depois ela pode ser testada e como aconteceu com os três produtos da tese do José Almeida Junior. E ele foi além. Associou Copaíba, Andiroba e Jucá numa fórmula tópica, criando um novo e poderoso fitoterápico antibacteriano, um medicamento que comprovadamente combina segurança e eficácia.

 

Quem quer continuar usando aquele chá ou aquela erva lembra - Dr. Google infelizmente nem sempre tem razão. Desconfia de elogios rasgados. Tenta saber mais de onde e como foi obtido o seu remédio natural e na dúvida, não usa. Sempre informa o seu médico o que você está tomando e nunca usa nem chá milagroso durante um tempo prorrogado.












 




 




 








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