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Confissões íntimas de uma catadora de lixo amadora

Confissões íntimas de uma catadora de lixo amadora
Susan Gerber-Barata
nov. 7 - 4 min de leitura
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Confesso, que aqui nesse espaço e com essas linhas, quebro as regras do jornalismo padrão. Tô saindo do armário: quero denunciar aqui minha obstinação por lixo. No meu computador, acumulo imagens estranhas, de uma estética questionável. Quanto carinho meu pelos instrumentos musicais elaborados com uma criatividade e um dom de observação fora de comum! Expostos numa rua em Santarém, nunca consegui identificar o artista. Admiro a fantasia, o senso de transformação e o grau de criatividade mocoronga, necessária para elaborar lixeiras, reciclagem "ao pé da letra" - tudo com aquele senso de humor impagável. Uma mais criativa do que a outra -compartilho algumas aqui. 

Maior, até gigante, só a galeria dos sapatos descartados, deixados para trás, normalmente de um pé só. Tanta alcinha rasgada, sola furada. Tiravam-os lá mesmo, os jogavam, esqueceram deles, ficaram para trás. Será que foram embora num pé só?

 

Tenho fascínio particular também por queimas, tão prejudicais para a saúde, para o planeta. Impagável a ironia da revista bem chamuscada com o título que não poderia ser mais adequado: "Waste Management & Research" - em tradução livre: "Como lidar adequadamente com resíduos". Suponho que não foi o próprio ex-dono, mas um encarregado que a queimou. Infelizmente acontece muito por aqui.


Lixo com crise de identidade

Lixo. Lixo na minha volta. Lixo no meu caminho. Aquele apreciador de amendoim salgado. Encontro quase todo dia um novo saquinho vazio na minha trilha. Lado a lado com aquela embalagem coloridíssima de biscoito. Sabor morango, o biscoito aroma de chocolate.

Bouquet descartado na sarjeta

Lixo aqui deve viver uma crise de identidade danada. Numa dessas casas extremamente limpas, o lixo é juntado e é jogado na calçada em frente da mesma. Detalhe: a calçada bem em frente daquela casa extremamente limpa é extremamente nojenta. Transborda de lixo. 

Por que a minha vizinha do campo de futebol cimentado descartou o lixo dela exatamente naquele metro que já faz parte do meu terreno? - É assim mesmo.

Por que o terreno baldio do lado oposto serve de lixão?

Por que a vigilância sanitária aprova e incentiva que as barracas sirvam as suas comidas em descartáveis - exigência de higiene e se lixam para o lixo produzido com os mesmos descartáveis, tão mal descartados? Lixo também é um problema de saúde ou será que burocraticamente outro departamento é responsável, por exemplo aquele da saúde pública?  

Na praia, acho de tudo. Um dia um desenho ou um castelo de areia, no outro metade de um biquini, rede rasgada de pesca e lata de tinta. Confesso, que dependendo do dia, cato tudo. Virou um tipo de jogo. Cada vez que eu acho um saquinho de plástico vazio, o encho e coloco na próxima lixeira. Um jogo interminável.

Aceito críticas. Zombam de mim. Me reprimem e ridiculizam. Já ouvi dizer que para nós, estrangeiros, o lixo virou um tipo de nova religião. Pode até ser. A nosso relação já passou por tantas fases. Passou por amor, fascinação, obsessão e puro ódio. Já passamos juntos tantas frustrações. A atual fase encolheu, ficou pequenininha e bem egocêntrica. O que eu sozinha posso fazer para viver em paz com ele e ele comigo? No artigo sobre o lixo que deu certo as minhas humildes sugestões.

Já me despedindo, quero lhes presentear com os meus últimos achados. Carinho especial tenho para aquela boneca atropelada. Fascínio cruel cultuo pela Madonna e o casal pisoteados da foto gigante. E a sandália "Bad Boy" que acabou tão "bad", me faz lembrar que todos somos finitos, todos nós sofreremos o mesmo destino triste.

 

 

 

 

 


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