Pisando a mistura de terra com fibra aquática e água para compactar
Com gosto pisam pés e mais pés em rodas e mais rodas para compactar o barro - Marlene Molina Soto, artista chilena, residente desde 2018 no bairro Esperança, perto da igreja Nossa Senhora Desatadora de Nós, Alter do Chão, convidou para a primeira Jornada Formativa do projeto Gaia d' barro 2.0 que ensinará os participantes a construir com barro. Marlene chama suas aplicações e técnicas, adaptadas e desenvolvidas por ela, de Bioconstrução Holística. Seu projeto foi contemplado num edital de Cultura Digital da Lei Paulo Gustavo Estado do Pará Brasil. O sábado era de lua cheia em Virgem quando o grande espírito Ngechen permitia que os participantes aprendessem, socializando e praticando, o trabalho com o barro, colocando literalmente a mão na massa. Marlene une além de um olhar contemporâneo sobre a prática ancestral de trabalhar o barro também ideias da Permacultura. Aposta na força e nas realizações pessoais e coletivas.
Com o barro já compactado se reuniam bolas e mais bolas para virar uma única parede.
"Vamos fazer igual as cabas!"
diz Marlene! E as mãos hábeis formam uma bolota achatada que depois se junta uma ao lado da outra prensada na tela previamente esticada onde logo, logo será uma parede de barro. Mas antes da prática um pouco de teoria.
Antes de aplicar o barro nasce a estrutura. Madeiras de massaranduba recilcladas, ferros, um pé de tijolos e por fim se estende a tela que dará sustentação ao barro.
A primeira camada de barro é aplicada sobre os tijolos.
Bioconstrução holística
Alegre, confiante e reciclado, a bioconstrução à la Marlene une praticidade com sustentabilidade
Intuição feminina, observação, pesquisa e aprendizado constante levaram a "Santa Trindade do Barro" como Marlene chama o seu método que une barro do próprio terreno, fibras aquáticas dos igarapés do Caranazal e água. Os três elementos formam as paredes lisas com um mínimo de interferência humana da sua residência. Marlene já morou como nômade entre 2016 e 2018 em Alter do Chão e começou no ano 2018 sua casa estilosa só com esteios e um telhado. Desde lá aperfeiçoou suas técnicas. Usa como "osso" ou "esqueleto" da sua parede uma tela esticada que ela combina com todo o material reciclado que lhe agrada e ajuda materializar sua visão. Incorpora, especialmente onde quer estruturas mais livres materiais achados. Desenvolveu essa técnica depois de uma primeira experiência não tão bem sucedida. Com essa bagagem estimula os participantes que cada um/a desenvolve o seu próprio método de bioconstrução:
"Use o que lhe agrada, reciclados que você gosta de olhar cada dia!"
Fala que por exemplo curte ciclismo e por isso incorporou em algumas paredes elementos metálicos e rodas descartados de bicicletas.Essa parede ainda precisa ser limpa para mostrar toda sua beleza.
Foi para isso que fui chamada
Marlene Molina Soto convence com sua introdução rápida na Bioconstrução e Permacultura
Misturando teoria e muita prática, Marlene interage com os participantes do seu curso repassando e compartilhando o que ela coloca em prática todo o dia na sua própria casa. Quem quer morar completamente individualizado, respeitando a natureza ao máximo, deve seguir uns princípios que a permacultura também preza e enfatiza:
"Socializar é a chave para tudo!"
Fala: "Junto minhas experiências à tecnologia, o que me permite um olhar renovado sobre a sabedoria e técnicas ancestrais de trabalhar com a terra. Respeito o lugar onde eu habito e as possibilidades que ele me dá. Trabalho muito bem todos os meus recursos, tanto as financeiras quanto os educativos, sempre pensando no bem estar de todos nós, em não destruir, desfrutar e compartilhar." Do compartilhar vem seu veio forte de educadora. Chama o que faz de permacultura feminina, já que usa fortemente sua intuição.
E continua:
"Ensino as pessoas sobre a libertação pessoal desde uma nova relação com a terra, recuperando práticas ancestrais como a Bioconstrução, desde a tecnología dum olhar holístico e a cultura digital como suporte."
Fibra aquática dos igarapés e uso homeopático de cimento
Essas fibras que ficam parte do ano submersos nos igarapés, limpas são misturadas ao barro
Aprendendo, pesquisando, experimentando, Marlene se adaptou muito bem às condições nada fáceis da Amazônia onde fincou tão fortemente pé. As paredes de barro da sua casa já tem vários anos e não mostram nem rachaduras nem infiltrações. Ao contrário de outras maneiras de construir com barro que levantem paredes sustentados por pau a pique, dão sustentação ao barro com capim, usam as técnicas de adobe, um tipo de tijolos compactados na própria construção, e incorporam por exemplo óleo de linhaça que funciona muito bem em outros lugares do Brasil, mas aqui atraem insetos indesejados, ela opta para o regional. Acabou de cavar uma fossa ecológica para um banheiro acessível e usa o barro que tirou para misturar com fibras aquáticas que retira do igarapé que secou com as baixas da água. Pode ser que lá é a chave para obter uma parede lisa e resistente contra a umidade altíssima daqui. Também é bem pragmática e não condena nada que lhe possa servir. Usa por exemplo cimento para dar mais durabilidade às suas paredes. Usa esse cimento em doses homeopáticas, mas usa.
Coletando as fibras aquáticas no igarapé lá perto.
Reboco de goma de tapioca e corantes naturais
Essa pedra virará pó que por sua vez se transforma em pigmento.
Que tal triturar terra petrificada, carvão ou outros materiais que o terreno oferece, para dar tonalidades suaves às paredes? Paredes que sobem em camadas e mais camadas sobrepostas uma sobre a outra, a última cada vez mais fina e sofisticada. A última também é impermeabilizada. Aqui entram dois materiais que ela não consegue obter da própria terra - areia grossa e fina. As areias juntam-se ào barro e à goma de tapioca!!! Outro ingrediente totalmente local, diluído e cozido como ela fosse acrescentada ao tacacá e claro, algum tipo de pigmento. Pode ser essa pedra que ela vai moer, carvão ou outra coisa que a sua intuição lhe permite experimentar. O resultado ela chama de geotintas.
O que torna a geotinta resistente e elástica é a goma de tapioca, peneirada, claro.
Mistura-se à geotinta terra ou barro a gosto. Importante é peneirar bem fino aqui a terra passa para uma peneira mais grossa e depois uma bem fina.
Depois vem a alquimia. A goma, diluída em água fria(!), é cozida até engrossar e ficar translúcida. Depois acrescente a terra peneirada duas vezes.
Por fim é incorporado a cola branca que dá durabilidade.
Alcançada a consistência desejada, tudo pronto para aplicar.
Dependendo da terra escolhida se obtém as mais diversas tonalidades e cores.
Importante é aplicar a geotinta com pincel e de baixo para cima.
Para terminar a dica da Marlene:
"Não conheço nada melhor para encontrar-se a si mesmo, centrar-se e conectar-se com a terra e o universo do que trabalhar o barro e morar rodeado por barro!"
Mais profundo o burraco, melhor e mais puro o barro.
A fossa ecológica aqui em processo de construção liberou essa terra que será peneirada, misturada com as fibras, a proporção é de mais ou menos 10% de fibra, aguada, misturada, compactada para depois poder ser usado para formar uma parede.
Fossa ecológica pronta já com as bananeiras plantadas. Um tronco de bananeira absorve muita água e por isso é a planta predileta para esse fim.
A primeira camada de barro, Marlene o chama de barro zero que agora precisa secar para depois ser rebocada com barro de volume.
Devagar, camada por camada a parede vai se alisando.
A escolha da terra/do barro certo para cada passo é fundamental. Barro certo se encontra cavando a partir de 1 1/2 metro de profundidade. Ideal seria que ele tem uma parte de areia.
Antes de aplicar qualquer nova camada de barro, a parede tem que ser molhada
Na consistência de um mingau aplica-se camadas e mais camadas até a parede fica lisinha
Carinhosamente se espalha uma mão cheia de barro depois da outra, preenchendo os poros das outras camadas