Como um contraponto ao 10 de agosto chamado por um setor de dia do fogo, quando uma insanidade incendiária despertou o mundo para o que se repete há séculos e colocou em risco bilhões de dólares da economia dos que trabalham com o bioma Amazônia, uma luz no fim do túnel chegou a Santarém com a força de unir várias tendências para uma viagem no mesmo barco, com o mesmo objetivo: ajudar o Planeta Terra e salvar a Amazônia.
Capitaneados pelo Projeto Saúde e Alegria, com apoio intenso alguns professores da Ufopa, várias atividades aconteceram em áreas da Resex Tapajós Arapiuns, da Flona do Tapajós, na fazenda experimental da Ufopa e culminou com um seminário no auditório do MPPA, totalmente lotado onde foi apresentado com a presença de Ernest Gotsch, a prática da Sintropia, onde sua meta é demonstrar que é muito mais viável trabalhar junto com a natureza do que contra a natureza.
Neste barco que aportou na cidade em tempos de Sairé, também estavam o cientista da família dos Nobres, Antônio, a diretora Edmara Barbosa que dirigiu a novela Velho Chico abordando e praticando as ideias do mestre Ernst, além do produtor que incorpora os ensinamentos da sintropia, RogérioVian. Novos e velhos colegas que trabalham, militam e acreditam numa Amazônia Sustentável estavam com muito entusiasmo, fazendo-nos acreditar no sonho possível.
Mas o que afinal é Sintropia? Difícil entender quando muitos termos esgotam o conhecimento que são desprovidos de prática. Entretanto, opto aqui por falar de homens e mulheres que vem incansavelmente praticando o que falam e ensinam.
Conheci Ernst em uma viagem de Salvador à Brasília, quando fazia doutorado na Unb em 1999. Já o tinha visto demonstrando seu trabalho na fazenda Olhos D´agua na Bahia em um programa de Tv. Sentado ao seu lado, apenas o cumprimentei e lhe dei um aperto de mão. Aquele aperto me foi impactante, fiquei impressionado com os calos e a força de sua mão e me calei. Era a mão sobretudo de um agricultor/produtor. Senti naquele momento, conhecer um ser completo, um Mestre, um homem que vive de seu trabalho, com honestidade, com sabedoria, com amor no que faz.
O sábio chinês Lao Tzu deixou-nos a máxima que “na busca da sabedoria, o primeiro estágio é calar, o segundo é ouvir, o terceiro é memorizar, o quarto é praticar e o quinto é ensinar”. Neste momento que vivemos literalmente num fogo cruzado e sabendo que gato escaldado tem medo de água fria, o primeiro estágio é o mais difícil. Entretanto, nesta semana, pude dialogar com o Mestre, perguntar e ouvir suas respostas: - Qual as suas experiências comprovadas que nos pode ser útil? E o Mestre respondeu: Minha fazenda chamava-se Terra Fugindo da Seca, hoje chamava-se “Olhos d´agua”. Alunos da Esalq que assistiram a um seminário criaram o mutirão agroflorestal que hoje dissemina a técnica e produtores de soja se converteram a sua humilde sabedoria, como produtores de paisagens, que Nobre chama de paisagens produtivas, com reservas florestais produzindo inúmeras funções fundamentais para a produção agrícola.
Então, estamos preparados para memorizar práticas para uma transição? Entre os conhecimentos científicos, filosóficos e até espirituais vivenciados, pode-se ter aulas para entender que a sintropia é a busca pela homeostase: viver em harmonia com a natureza, como faziam os Incas, viver em harmonia com a biosfera, entender que a Amazônia é a bomba biótica da Terra e nossos maiores aliados são os indígenas que cuidam e preservam a milhares de anos de suas terras, enriquecendo-as, tornando-as produtores de alimentos que hoje começam a ser conhecidos. - Se a máquina de bombear quebrar de vez, não terá mais água para ninguém. Somos a última geração que pode consertar esta bomba de água/chuva, valorizando e respeitando o povo ancestral, que não tinham no ouro, um objeto de cobiça e sim como um reflexo do sol que representava o seu Deus, a que apenas podiam adorar sem a necessidade do apego de tê-lo como objeto. - Os colonizadores, com a ganância do Eldorado, não perceberam que o verdadeiro ouro ia da Terra preta, às espécies, ao estilo de vida, à exuberância que os cronistas nos deixaram em seus escritos e é hoje o Eldorado verde que temos a responsabilidade de manejar bem este recurso para o bem de toda humanidade. Estas foram as conversas de pudemos ter ao longo do percurso que nos levou até a fazenda da Ufopa.
O novo Eldorado agora é a revolução 4.0, que após a industrial, a verde e a da informática, pode ser a nova economia que mostrará a responsabilidade da Amazônia com o Planeta.
Entre contraposição as inúmeras notícias desta catástrofe ambiental que nos foi imposta, com demissões de analistas ambientais exemplares, fumaça amazônica em São Paulo, que o Xingu vai morrer, peço licença para reproduzir aqui, a esperança dos participantes, observadas após o seminário Amazônia em Sintropia – Ciência, Agricultura e Floresta, que nos enchem de certeza que tudo vai dar certo.
- “Uma agenda do meio ambiente e do agro, unidos contra o “ogro”, mais produtividade em menos terra, com menos impacto, menos desmatamento, menos grilagem, menos fogo e menos pressão sobre áreas indígenas e unidades de conservação", disse Caetano Scannavino, do PSA.
- "Foi lindo! As palestras de Nobre, de Ernst e de Vian foram iluminadas, emocionantes. Ver o pessoal da soja ali na plateia prestando atenção foi maravilhoso. Sem armas, construindo diálogos", disse a jornalista Patrícia Kalil.
- "Foi uma ação única, com uma abertura raramente vista. Que consigam desenvolver todas as oficinas e que elas tenham o potencial de abrir mentes e corações", disse a arqueóloga e professora Anne-Py Daniel.
- "Meus humildes parabéns pela agenda positiva do ano! E ainda dentro do ministério público! Espetacular", disse a escritora Susan Gerber.
- "Obrigado ao PSA pela generosidade do evento. Talvez tenhamos achado o “azimute”, vamos traçar as coordenadas para uma cidade mais justa" - disse Alberto, ativista ambiental).
- "Muito importante trazer cientistas desse naipe para que os diferentes atores sociais possam entender a realidade atual e lutar por um futuro sustentável", disse o médico José Carlos Polessa.
Ao perguntar sobre como estabelecer um diálogo entre interesses antagônicos no seminário deste 12 de setembro de 2019, um dia após os respectivos 11 de setembro Chileno e Americano, em que a dualidade entre egos e o bem comum, o cinismo de sorriso solitário e a vontade de construir um Brasil, ouvimos que o homem pode voltar a ser querido, demonstrando a capacidade mutualística de desenvolver uma base inclusiva, onde a destruição e a guerra sejam definitivamente vencidas. Que a fé e a esperança são a possibilidade fiel para equilíbrio entre todos os elementos e ecossistemas.
No barco onde estavam vários novos coadjuvantes e protagonistas das antigas, já cansados de tanto desmandos e desconsideração pela luta socio-ambiental desde Chico Mendes, passando pela Eco 92 até a da menina sueca Greta, jovens estudantes, velhos aprendizes, viram-se diante de muita luz. A valentia do pensamento e a vontade de mergulhar dentro, reconstruir o planeta a partir da reconstrução do homem, nos deu a certeza de que podemos juntos re-construir um modelo de agricultura onde se possa reincluir os colonos das Br´s, das transamazônicas e dos rios destruídos. Que juntos a nossos indígenas e caboclos guardiões dos conhecimentos ancestrais, uma sintropia cósmica de relação de respeito e harmonia com a natureza, pode ser o sonho encantado de estabelecer pequenas unidades demonstrativas de produção que junto às grandes intercaladas com agroflorestas, a paz individual será a base para a paz mundial, onde o culto a mente feliz seja a forma mais económica de se viver bem, junto ás árvores e animais deste jardim encantado que é a Amazônia, como já vem nos ensinando os grandes Mestres do budismo, como Lama Gangchen de a cura do meio ambiente e a cura da mente e do corpo, estão interligados.
O pontapé já foi dado. Além da Ufopa, instituições locais como o Instituto Sebastião Tapajós, o Movimento de Arte e Cultura liderado pela cantora ambientalista Cristina Caetano e o espaço multicultural Cabana do Tapajós já apoiam a ideia genial trazida pelas duas moças de São Paulo, Edmara Barbosa e Isabela, que ao aportarem foram logo abraçadas, propondo para se fazer um grande evento em março de 2020, com oficinas, arte, música, cultura, ciência, filosofia e tecnologia, colocando todo mundo no grande barco, o barco da tradição, que como no S/Çairé, trará na luz cristalina do dia, a saúde, a alegria e a felicidade de celebrarmos à vida como filhos da mesma mãe terra. Saí dos eventos literalmente de alma lavada.