O BOTO - Alter do Chão
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Pescador Mestre Vanderley

Pescador Mestre Vanderley
O BOTO
out. 23 - 4 min de leitura
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Por Tula Barcellos

a partir de entrevista realizada com
o Sr. Vanderley Viana Pimetel,
pescador de Alter do Chão/Santarém/PA,
em 23 de abril de 2015.

Mestre Vanderley mora na casa mais bonita de Alter do Chão. Ninguém me contou. Eu fui lá saber de uns causos dele e vi.

É casa que ele mesmo fez, de barro amassado com palha lançado no pau-a-pique.

E não tem parede até o teto não, só até a metade, depois é só ripas de pau que nem trilho de trem – cheio, vazio, cheio, vazio, claro, escuro, claro, escuro, sombra, sopro, sombra, sopro.

Mas a frente tem parede até o telhado, e tem uma porta e uma janela. Fica no meio de um pequeno jardim de verdes: verde-claro, verde escuro, verde-musgo, verde oliva, verde-mar, verde esmeralda, verde ah... que beleza de jardim!

E tem quintal também, lá atrás, com pé de cuia redonda e pé de cuia comprida. E pé de pupunha e de outras coisas que estava escuro e não deu pra ver.

Mas para Mestre Vanderley, o que tem de melhor no seu quintal, é a sua oficina de coisas de pescar. Eu não falei antes, mas digo agora: Mestre Vanderley é o melhor pescador de Alter do Chão. Ele sabe fazer muitas coisas, mas o que mais gosta de fazer e faz melhor é pescar.

Ele tem uma roça, onde planta milho e mandioca. É uma terra boa, onde colhe abóbora e cebola, mas gosta mais da sua canoa.

Com carinho faz leitar 500 seringas que mãe ensinou plantar. E tem paciência pra defumar o leite pra virar borracha, mas gosta mais da sua tarrafa.

Pesca de tudo, em todo lugar e de todo jeito, menos de arrastão porque não acha certo pescar todo um cardume de uma vez só. Aprendeu com seu pai e ensinou seu filho que também o que mais gosta de fazer e faz melhor é pescar.

Pesca Bararuá da cabeça enfiada no barranco do rio, caminhando de noite de zagaia e lanterna nas mãos.

Na Ponta do Cururu, de pé na ponta da canoa, lança tarrafa pra fachiar Aracú, Pacú, Charutinho e Jaraqui. Lá também tem Tucunaré, peixe bom de pescar de linha, lá no Lago das Piranhas, onde tem Piranha, Carauaçú, Mapurá e Chaperema.

Na Ponta do Mataraí monta malhadeira e tira Filhote, Pescada, Surubinho e Sarda.

Pesca de um tudo no verão e de outro tudo no inverno, de um jeito e de outros jeitos, ali no Lago Verde de Alter do Chão.

Em sua casa ele pesca também. Sabem o quê? Gente. Pesca gente com encantos. Ninguém me contou. Eu fui lá saber de uns causos dele e vi. Lá moram ele e o filho, mas a casa está sempre cheia de gente. Gente comendo, dormindo, jogando dominó, contando causos. Ninguém sabe quando chegam e quando partem... Pesca gente com encantos.

Ouvi história do boto que levou a moça e os irmãos pra morar depois da curva do rio; da bota que quase minguou o caboclo de tanto carinho; da Mãe do Lago que de sete em sete anos exibe pros pais a filha roubada; da cobra grande que fica de longe mirando a canoa do pescador e fazendo banzeiro pra ela afundar; da assombração do homem barbado... Virge Maria, Cruz Credo! Mestre Vanderley tava danado de misurento.

Ouvi causos, muitos causos, e não sei quando saí de lá, tava encantada. Só sei que dormi de luz acesa, sei lá... né?

(1) zagaia – espécie de arpão com ponta em forma de tridente.
(2) fachiar – puxar a tarrafa.
(3) misurento – que faz medo.

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