Por Tula Barcellos
a partir de entrevista realizada com
o Sr. Vanderley Viana Pimetel,
pescador de Alter do Chão/Santarém/PA,
em 23 de abril de 2015.
Mestre Vanderley mora na casa mais bonita de Alter do Chão. Ninguém me contou. Eu fui lá saber de uns causos dele e vi.
É casa que ele mesmo fez, de barro amassado com palha lançado no pau-a-pique.
E não tem parede até o teto não, só até a metade, depois é só ripas de pau que nem trilho de trem – cheio, vazio, cheio, vazio, claro, escuro, claro, escuro, sombra, sopro, sombra, sopro.
Mas a frente tem parede até o telhado, e tem uma porta e uma janela. Fica no meio de um pequeno jardim de verdes: verde-claro, verde escuro, verde-musgo, verde oliva, verde-mar, verde esmeralda, verde ah... que beleza de jardim!
E tem quintal também, lá atrás, com pé de cuia redonda e pé de cuia comprida. E pé de pupunha e de outras coisas que estava escuro e não deu pra ver.
Mas para Mestre Vanderley, o que tem de melhor no seu quintal, é a sua oficina de coisas de pescar. Eu não falei antes, mas digo agora: Mestre Vanderley é o melhor pescador de Alter do Chão. Ele sabe fazer muitas coisas, mas o que mais gosta de fazer e faz melhor é pescar.
Ele tem uma roça, onde planta milho e mandioca. É uma terra boa, onde colhe abóbora e cebola, mas gosta mais da sua canoa.
Com carinho faz leitar 500 seringas que mãe ensinou plantar. E tem paciência pra defumar o leite pra virar borracha, mas gosta mais da sua tarrafa.
Pesca de tudo, em todo lugar e de todo jeito, menos de arrastão porque não acha certo pescar todo um cardume de uma vez só. Aprendeu com seu pai e ensinou seu filho que também o que mais gosta de fazer e faz melhor é pescar.
Pesca Bararuá da cabeça enfiada no barranco do rio, caminhando de noite de zagaia e lanterna nas mãos.
Na Ponta do Cururu, de pé na ponta da canoa, lança tarrafa pra fachiar Aracú, Pacú, Charutinho e Jaraqui. Lá também tem Tucunaré, peixe bom de pescar de linha, lá no Lago das Piranhas, onde tem Piranha, Carauaçú, Mapurá e Chaperema.
Na Ponta do Mataraí monta malhadeira e tira Filhote, Pescada, Surubinho e Sarda.
Pesca de um tudo no verão e de outro tudo no inverno, de um jeito e de outros jeitos, ali no Lago Verde de Alter do Chão.
Em sua casa ele pesca também. Sabem o quê? Gente. Pesca gente com encantos. Ninguém me contou. Eu fui lá saber de uns causos dele e vi. Lá moram ele e o filho, mas a casa está sempre cheia de gente. Gente comendo, dormindo, jogando dominó, contando causos. Ninguém sabe quando chegam e quando partem... Pesca gente com encantos.
Ouvi história do boto que levou a moça e os irmãos pra morar depois da curva do rio; da bota que quase minguou o caboclo de tanto carinho; da Mãe do Lago que de sete em sete anos exibe pros pais a filha roubada; da cobra grande que fica de longe mirando a canoa do pescador e fazendo banzeiro pra ela afundar; da assombração do homem barbado... Virge Maria, Cruz Credo! Mestre Vanderley tava danado de misurento.
Ouvi causos, muitos causos, e não sei quando saí de lá, tava encantada. Só sei que dormi de luz acesa, sei lá... né?