Foto: Raquel Tupi
A nossa força é bem antiga, bem antiga mesmo, bem antes de nós nascermos, vem dos nossos ancestrais. O Baixo-Tapajós, no Oeste do Pará, é a região onde nasci, cresci e ainda estou. Defendo esse chão, é a minha vida. O meu lugar é de encantaria e força ancestral. Lembro das histórias do caminho fundo, no Carauari em Ater do Chão. Quem passava por lá tinha que pedir licença aos encantados.
Foto: Raquel Tupi
Antes da colonização, na nossa cultura, meus antepassados realizavam seus rituais de agradecimento à mãe Terra pela fartura, de cura, nas passagens de maturidade e de união, de celebração da vida e da morte. Ainda sim, eles podiam caçar e tinham que alimentar toda a aldeia. As noites de lua cheia são momentos especiais.
Os banhos no rio da curuminzada e cunhantanzada são constantes. Alegria total. Nosso rio, lugar de fartura, de cardumes, do rebujo do boto, do banzeiro das águas, guarda um mundo no seu perau que só as caruanas (espíritos das águas) conhecem. Os pescadores, grandes conhecedores das correntezas e das profundezas, respeitam a força do rio Tapajós, do rio Arapiuns e de todos os rios da vida e da existência.
A pescaria com o timbó requer um trabalho coletivo de muita destreza. O plantio da mandioca depende do ciclo de Iaci (Lua), pois é ela quem decide uma boa colheita. Meio dia e meia noite são sagradas. Ainda hoje.
Foto: Rafa_ Wilhelm
O homem "desenvolvido" coloca veneno em tudo que planta. Mata toda vida que a gente não vê. Nem eu, nem você, nem os insetos, nem os animais, nada resiste ao veneno.
É dessa forma que nossas abelhas estão desaparecendo da nossa mata, deixando de polinizar e de produzir um remédio poderoso, o mel.
Muitas plantas e bichos estão desaparecendo. O mundo hoje enfrenta extinção de muitas espécies. Um dia vai chegar a nossa vez.
Foto: autor desconhecido
Quase tudo mudou, menos a garra e a resistência do meu povo. Ou hoje eu não estaria aqui para contar a verdadeira verdade. A colonização foi séculos de negação, de maus tratos e de invisibilidade, mas resistimos. Suportamos todas as formas de violência para permanecer como somos hoje: povos originários, desse chão, dessa terra.
foto: Rafa_Wilhelm
Esse é meu povo Borari, conhecedor da física quântica, da química, da astrologia e da medicina da floresta. São tantas as misturas de plantas que são capazes de curar doenças, que doutor nenhum formado em faculdade tem a receita. Nossos médicos da floresta, pajés, benzedeiros, parteiras, puxadores e sacacas trabalham com os encantados e com as plantas de cura. Assim somos nós.
Foto: Israel Campos
Nossa morada coletiva, feita com que a floresta nos oferece, palha de curuá, esteio de canela de velha, kuarikara e cipó taracuá. As malocas abrigam as famílias. Querem mesmo aprender sobre "sustentabilidade"?
O espaço, alimento e trabalho são coletivos. O puxirum, que é o trabalho em grupo, é um momento de alegria. Sabemos que o esforço é para todos. Esse momento, único e verdadeiro, fortalece a vida em coletividade.
Quando há um desentendimento, usamos sim o direito, mas da nossa forma. Todos os envolvidos são chamados para um círculos de diálogo, sabedoria e compreensão. O ouvir é fundamental para compreender o outro, que é tão humano quanto nós. É assim que nossa cultura nos coloca em harmonia e união, restaurando um ao outro, com presença do pajé, cacique e envolvidos na situação.
Foto: Pi produções
O direito originário à terra é um direito ancestral, é um direito antigo. Há grilagem por aqui desde 1500. Simplesmente, estamos aqui antes mesmo da própria lei do branco. Lutamos por nosso direito ao reconhecimento do nosso território desde 2009. Queremos a demarcação da nossa Terra, para que possamos garantir a proteção e preservação do nosso território às futuras gerações. Nossa terra tem sido loteada e desmatada. Muitas das cabeceiras de lago e igarapés já se perderam. Já tem gente até que se diz dona da Serra da Pira-oca.
Tudo o que temos hoje será para nossos filhos e netos.
Nossos rios hoje estão contaminados com mercúrio, nossas florestas em chamas. Os animais, no meio fogo, não conseguem salvar a própria vida.
Temos as hidrelétricas que matam a vida de rio. Foi assim com a Hidrelétrica de Belo Monte: o maior etnocídio, com derramamento de sangue, praticado e legitimado pelo Estado brasileiro. Queremos nosso Tapajós sem barragens, eclusas e portos. Imagina, existem planos para construir 43 megabarragens! Queremos nosso Tapajós livre, como sempre foi e precisa continuar sendo.
Desde que homem branco chegou aqui não temos sossego.
Somos o povo Borari da Terra indígena Alter do Chão, vivemos à margem esquerda do Rio Tapajós. Os Borari atravessaram séculos com sabedoria, resistindo à colonização na manutenção de sua ancestralidade. Atualmente, Alter do Chão tem uma população de aproximadamente de 7000 habitantes. Somos 294 famílias indígenas.