Não precisamos de ouro, prata ou dinheiro, nem mesmo de poder político ou grandes projetos para mudar o mundo. Precisamos doar do nosso amor, da nossa compreensão, tolerância e diálogo, da nossa paciência e perdão. Isso já fará do mundo um lugar muito melhor para se viver! - Padre Sidney Canto
Iniciando o ano de 2021 com a maior esperança, cabe a nossa geração fazer acontecer nossos sonhos e, como cidadão santareno, refletir sobre o desenvolvimento, o turismo e os novos rumos definitivos para o III Festival de Cinema de Alter do Chão.
Semente e fruto de muitas contribuições acontecidas desde 2016, este tem como princípio trabalhar e contribuir no sentido do ser humano descolonizar seu egocentrismo e fazer um giro que traga a possibilidade que nos permita eliminar esta separação e essa hierarquia que vem destruindo a natureza de todo o planeta, fazendo surgir pandemias como a que gerou a crise que passamos, o que torna fundamental construir subjetividades a partir de novas interculturalidades, citando artigo de Sacavino, S. B. 2016, de Boaventura Santos e livro de Edgar Morin sobre o cinema não cedeu à tentação de achar o cinema evidente, normal, banal, funcional, mas sim esse grande mistério, com esse continente desconhecido dessa ciência, que é uma fabulosa máquina mental.
Foto de Franciane Santana durante defesa de memorial de Jackson para Professor Titular
Como coordenador do Projeto de Extensão Luz e Ação da Amazônia, antes Luzes do Tapajós, venho explicar a origem deste tão sonhado evento, para ajudar os interessados na compreensão dos objetivos do projeto, que motivou e mobilizou boa parte de movimentos culturais e artísticos da região entre 2018 e 2019, culminando na realização da primeira edição do festival na vila de Alter do Chão, sendo que até então, contou com grande envolvimento democrático e participativo, muito além do pífio Fest Alter realizado quase unilateralmente a revelia pela empresa Krioca em 2020, desta vez totalmente on-line e sem o mínimo de consulta entre inúmeras instituições e pessoas que ajudaram na organização anterior.
Seguindo uma visão mais técnico-profissional e menos “coleguista-amadora”, traço aqui os princípios científicos que motivaram a participação de Universidades e Instituições. Seguindo princípios metodológicos, visamos como norte transformar nossa dura realidade, em possibilidades de gerar inclusão e desenvolvimento sustentável, não só para Alter do Chão, mas para todo o Tapajós, a Amazônia, o Brasil e toda a região da América Latina onde domina o bioma Amazônico, tendo no cinema e no turismo, a base de solidariedade que mais que nunca se precisa entre povos e nações.
Um festival enraizado em seu meio significa deixar de se ver só no diferencial de humanos que se julgam com a superioridade de dominador, a capacidade do fazer e começar a olhar a semelhança natural dos demais seres, isto é, se perceber como igual a os demais, de ser um ser humano integral, tecido de uma vida em unidade e harmonia com a natureza.
Cena do filme "O Olhar do Boto", 2018, dos artistas José Roberto Aguilar e Gregório Gananian, onde o boto amazônico é guia do espectador.
Este é o norte que nos anima, faz pensar e praticar um marco conceitual que implique necessariamente assumir a complexidade e a diversidade de vozes, sujeitos, projetos e lugares culturais, sociais, políticos e econômicos, produzidos nas sociedades atuais, tomando a frente dos núcleos que produzem a desigualdade existente, não só localmente mas globalmente, para vislumbrar políticas públicas efetivas que tragam novas opções concretas e alternativas viáveis que gere uma mudança que exige a reunificação do ser com a realidade.
Após a denuncia pública de tentativa de apropriação indevida do festival, uma nova fase de adequação pós-pandemia, onde as relações assimétricas de poder/assimilação impostas em todos os âmbitos e dimensões, precisam agora atingir novas questões materiais, subjetivas, individuais e sociais para que sejam superadas estes interesses já bastante manjados em vários outros eventos, que após seu término nunca deixam nada de legado, para termos um processo adequado aos interesses das populações e economias locais.
Para nós amazônidas, isto significa juntarmos todas as forças positivas e progressistas para não só fazer mais um festival e sim construir uma linguagem para voltar a unir o ser humano com a natureza. A linguagem que aqui se quer construir é a de voltar a se sentir unido à totalidade da realidade, sem privilégios, com a humildade de ser um elemento a mais da natureza. Este é sagrado direito que reivindicamos e é com esta a clareza que se exige aos órgãos gestores e de fiscalização, fazer valer o caráter ético de mostrarmos o que somos com todos os princípios, meios e fins.
Entrada do Festival de Cinema de Alter do Chão em 2019 com projeto de Nilson Coelho
Isso implica pensarmos e estabelecermos estratégias para além dos egos que inflaram e colocar as amarrar legais para inibir a ambição que tenta assumir na marra, a propriedade e paternidade do que não lhes pertence e nunca vai ter por não ter a legitimidade, não por não ter a noção do que é pertencer a uma cultura que adora o cinema, mas por não ter o entendimento das alteridades de múltiplas vozes que inclui não só novos atores como indígenas, quilombolas e turistas, mas a nossa flora, a fauna, os rios, ecossistemas e comunidades. Ao tomarem para si o que chamam de segunda edição do Festival de Cinema de Alter do Chão, deram um triste rumo e quase um fim a um Festival que vem sendo construído à muitas mãos e precisa ser por todos recuperado.
Este caminho diametralmente oposto ao que vinha sendo intensamente construído junto com inúmeras instituições e coletivos, desde 2016 é um afronta ao grande impulso tomado após confluência de vários outros projetos de cinema para Alter do Chão e região, como o apresentado pelo então deputado estadual Ayrton Faleiro e a realização de debates com artistas como José Roberto Aguilar e a Dra Fernanda Sarmento, com intensa participação da ex-Reitora da Ufopa, Professora Raimunda Monteiro.
Um festival enraizado em seu meio significa deixar de se ver só no diferencial de humanos que se julgam com a superioridade de dominador, a capacidade do fazer e começar a olhar a semelhança natural dos demais seres, isto é, se perceber como igual a os demais, de ser um ser humano integral, tecido de uma vida em unidade e harmonia com a natureza. Este é o verdadeiro espirito da FCAC que não pode ser levado por conversas de quem não sabe e não que aprender a saber como a montanha respira e fazer no seu rio, o que diz querer fazer no nosso rio. A estes podem até oferecer um medalha, a do Betendorf pode até lhe valer bem, mas o bastão é de nosso povo, de nossa gente e não de partidos e agentes que nunca propuseram nada além de homenagens e nomes de ruas.
Não queremos mais ser enganados para comer uma cuia de tacacá.
Vê-se até adjetivarem aos que tem uma reflexão crítica ao que aconteceu com o FCAC de incompetentes, medíocres ou termos que só cabe na imbecialidade dos que desqualificam para colonizar. Neste período que criamos o Luzes e agora o Luz e Ação da Amazônia, muitas produções de extensão e pesquisas foram realizadas. Do intenso Movimento de Roda de Curimbó à criação do Instituto Sebastião Tapajós, tivemos por estas praias, a produção de filmes como a que lançou nacionalmente e mundialmente Dona Onete, o filme Olhar de Boto, com o diretor Gregorio Gananiam e Daniele O.M. que contou com a participação de moradores locais como o cantor e compositor Chico Malta, os carimboleiros Hermes Caldeira e seu Osmarino, assim como sequências com seu Ângelo, esposo de Dona Raimunda, curandeira que deixou grandes saudades na Vila.
Apresentado em grande estilo no Sesc Consolação em São Paulo e depois na Ufopa, este filme retratou um pouco a ideia de criar uma conexão entre o sul, sudeste/norte nordeste, onde o país venha a se enxergar e termos grandes articulações de verdade, unindo conhecimentos e saberes, criando novas linguagens, fortalecendo as culturas e os grupos locais.
Ao propor este Festival, o que se propõe é um novo processo de desenvolvimento local a partir de nossas visões, mas dialogando com todas as artes, culturas, ciência e tecnologia global. Sabemos que o mesmo nos traz o desafio que nos dará a possibilidade de expressarmos o que é o Tapajós e Amazônia para nós amazônidas e para muitos que tem visões sobre este frágil Bioma, mas o que queremos é interagir com personalidades, instituições nacionais e globais que buscam o melhor para conservação da natureza e a diversidade de nossa identidade e biodiversidade, este é e sempre foi o objetivo central: Construir uma Bioeconomia que faça da Amazônia um espaço autônomo e integral para todos seus filhos e filhas.
O diálogo e o processo para pensarmos como retirar Santarém e a região amazônica da condição de meros exportadores de matéria prima como a madeira, o minério e energia e passar a sermos junto com as universidades, empresas, e orgãos do Estado, produtores de uma nova cultura, onde não sejamos meros consumidores, mas produtores do que nos habita: a ancestralidade mais original do Brasil, ainda desconhecida dos brasileiros, apesar de ser bastante conhecida no mundo.
Assim, o Festival foi idealizado como um vetor e elo entre nossos municípios, de Jacareacanga/Itaituba à Almerim, de Uruará à Terra Santa, de Alenquer, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná à Faro, incluindo toda a Transamazônia que completa 50 anos de abandono.
Juntamente com a indústria de outros setores como o turismo, a bioeconomia e recuperação de áreas degradadas poderemos agregar novos valores, novos princípios, novas ideais e nova indústria para nos tirar da submissão que nos arrasta para o abismo e o atraso de 520 anos, mas que ainda se faz ver os capitães do mato que empurram a pobre ralé ainda mais para as periferias, deixando para e elite do atraso o centro que agoniza.
Para recuperarmos o nosso festival, algumas frentes se fazem necessárias:
- Ampliar conhecimento público da situação com cobertura/crítica/análise dos meios de comunicação - o que já vem acontecendo em blogs de grande reputação local;
- Organizar e participar da audiência pública convocada nas redes sociais, a partir de posicionamento do hoje deputado Federal Ayton Faleiro, fórum onde podemos avaliar e determinar os rumos do Festival e cobrar esclarecimentos;
- Cobrar posicionamento e propostas de instituições locais como a UFOPA, UNIFESPA, UFAM e todas as grandes instituições locais e regionais, que precisam juntamente com os poderes municipais e estaduais;
- Fomentar ações como reais fontes de inspiração e criatividade para toda a nossa juventude e coletividade.
Isto inclui pensar nossos espaços, refletir sobre o que representa para nós e toda a região, as politicas necessárias ao território onde se pretende criar a Estado do Tapajós, a sua cultura regional em suas mais variadas manifestações, sua paisagem e identidade. Repensar nossos espaços culturais, nossos campi universitários e inúmeros outros espaços naturais, hoje ociosos, preenchendo de atividades, nas praças, nos bairros e comunidades rurais que são fundamentais para regenerar a vida e a autoestima de nosso povo, trazendo bem estar, saúde e felicidades.
Para isso, faz-se necessário envolvermo-nos novamente, juntando todos que se sentem responsáveis e pensam coletivamente a região, sentando juntos para planejar como será o II FCAC presencial em Alter do Chão, sua coordenação, assumindo o bastão coletivo local, encerrando definitivamente o ciclo que criou o imbróglio de privatizar o bem coletivo. Perna de cobra, sabe-se que existe, dizem até, com endereço na cidade, mas ninguém nunca viu.
Competências temos de sobra, é só separar o que é justo e o que é injusto, trilhando o verdadeiro caminho da justiça. Por isso faz-se imperativo que todos os homens e mulheres envolvidos com o fazer cultural não desistam do Festival de Cinema de Alter do Chão, ele pertence a todos que ajudaram a organizar a edição que se tornou realidade em 2019 e que em 2021 poderá se reinventar e retomar o seu trilho natural, mostrando a Amazônia que o mundo que ver.