Marcada para sexta-feira 13 depois do feriado da Padroeira do Brasil, a segunda Audiência Pública para a Revisão do Plano Diretor de Santarém mostrou que a união popular também faz milagres: cientes de seus direitos, representantes da sociedade exigiram a paralisação imediata dos trabalhos até o arquivamento na Câmara Legislativa do Projeto de Lei 1621/2017 que trata do mesmo assunto em paralelo. De fato, não faz sentido mobilizar a sociedade para um processo participativo de construção do seu futuro ao mesmo tempo que tramita a toque de caixa uma proposta que trata, entre outras coisas, da construção de portos, da flexibilização de atividades mineradoras em áreas protegidas, da conversão de zonas rurais em urbanas - derrubando a obrigatoriedade de se preservar 80% da propriedade, a Reserva Legal - isso em áreas de assentamentos federais, em terras reivindicadas como indígenas, e em praias até então preservadas, tornando os desmates e loteamentos autorizados. Sem falar na liberação destes locais para construção de prédios de até 19 metros. Tudo sem a devida discussão com a sociedade.
Sem a presença de nenhum vereador de Santarém, o Secretário de Planejamento Ruy Corrêa deu início a II Audiência Pública para revisão do atual Plano Diretor da cidade, às 9h, no auditório da Casa de Cultura. Depois de dar boas-vindas a todos, o ex-prefeito apresentou Claudia Gaia como mediadora do encontro.
Ela explicou que a dinâmica seria simples: primeiro seriam chamados funcionários de cada uma das Secretarias da prefeitura para apresentação de diagnóstico da área e depois, na parte da tarde, a população seria convidada a falar sobre o que ouviu.
Na sequência, um funcionário da Secretaria de Saúde iniciou leitura de mal-ajambrado resumo que traria todas as demandas de saúde de todas as comunidades de Santarém. Em exatos 15 minutos de apresentação, o representante falou sobre o contexto político e econômico brasileiro, comentou a crise mundial e, na mesma levada, deu a receita para tratar a saúde de qualquer município no país: ter mais profissionais, mais medicamentos e mais estrutura. Não precisou ir muito adiante para que o público presente começasse a pedir espaço para participar.
O que está me parecendo aqui é que vocês estão tentando conversar sobre um "plano de governo", não fazer a revisão do Plano Diretor da cidade. Eu vim até aqui para falar do Plano Diretor. – Tula Barcellos, arquiteta e educadora (APA Alter do Chão)
A mediadora pediu paciência e explicou mais uma vez que aquela seria a metodologia do dia. Só no período da tarde, os presentes seriam divididos em grupos para que comentassem o que ouviram e fizessem propostas unificadas, se necessário.
Antes de tudo, nós queremos saber o que deu certo, o que foi feito e quais os pontos específicos que precisam ser melhorados do Plano Diretor de 2006, para a partir daí trabalhar na revisão. Esse processo deve corrigir a apartação entre todos os povos da cidade e devolver o sentimento de pertencimento e do direito à uma cidade mais justa – diz Alberto Silva (PAE Eixo Forte)
Gaia disse ainda que o atual governo queria começar um novo plano "do zero", porque o plano diretor de 2006 teria sido escrito para uma realidade de 10 anos atrás que era diferente de hoje.
Estamos trabalhando, desde o início, com uma proposta de revisão do Plano Diretor, porque ele existe, foi um trabalho muito grande. Na atualização, o plano pode sofrer alguns acréscimos e outros decréscimos, mas não se pode fazer algo do zero. Inclusive uma das coisas que colocamos na proposta é que o plano de 2006 seja colocado em execução até a finalização da revisão, porque no momento ele está sendo tratado como uma peça de ficção. – Tamara Habib Saré, arquiteta (APA Alter)
O padre Edilberto Sena, do Movimento Tapajós Vivo, comentou para todos que sem ter material para acompanhar as leituras dos técnicos e sem ter qualquer outro texto de apoio dado pelos realizadores da audiência, aquele modelo de trabalho não seria muito eficiente ou prático.
Muita gente que veio de longe, das áreas rurais, não vai poder permanecer aqui até o fim das leituras dos documentos de todas as Secretarias. Quero propor, pelo menos, que seja feita uma inversão: que as comunidades possam deixar suas contribuições antes de partirem, muitas delas trouxeram cartas, que então sejam lidas agora, para que todos os presentes possam ouví-las, para que possamos juntos entender o que cada comunidade pede, e que suas vozes fiquem registradas na Ata. – Caetano Scannavino (Projeto Saúde e Alegria)
A partir dali, todos pediram o direito à fala. O objetivo do encontro, afinal, era justamente garantir a participação popular conforme a Constituição Federal de 1988, leis estaduais e municipais. Uns pediam para ouvir as pautas dos trabalhadores rurais, outros para ouvir o que as comunidades quilombolas haviam pedido, outros pedindo mais transparência na condução de uma audiência pública. Foi então que a mesa decidiu chamar à frente aqueles que teriam cartas para ler em assembléia.
Leila Borari
Para nós, povo Borari, a terra é nossa identidade, da floresta e dos rios vem nosso sustento. Não queremos especulação imobiliária nas margens dos nossos rios, lagos e igarapés. Não queremos prédios maiores que nossas árvores. – leitura de Leilane Borari de carta do cacique Maduro
No total, nove cartas foram lidas e amplamente aplaudidas por todos os presentes. Em linhas gerais, todas as leituras tocavam nos mesmos pontos:
Evidente que o Projeto de Lei apresentado pelo Vereador Antônio Rocha (PMDB, presidente da Câmara) está inteiramente a serviço dos interesses do capital imobiliário e dos empresários da logística de portos. E, para defender tais interesses, o vereador ignorou e desrespeitou o processo de revisão do Plano Diretor, o qual está sendo coordenado pela Secretaria Municipal de Planejamento, com a participação da sociedade civil. De modo sorrateiro, tentou aprovar uma lei específica que trata de matéria que está sendo debatida na revisão da norma geral, o Plano Diretor – Sara Pereira
Em uma votação histórica proposta pelos moradores e conduzida pelos próprios técnicos da prefeitura depois da leitura das cartas, decidiu-se que até o arquivamento da PL os trabalhos de revisão seriam paralisados pela prefeitura, pois não há condição de trabalho com uma ameaça dessas e falta de seriedade da Câmara com o trabalho que está sendo feito pelo povo. Ruy Corrêa, o único Secretário presente, mostrou-se também contrário a sua tramitação paralela na Câmara e apoiou o pedido dos presentes.
Eu quero dizer para vocês que eu, pessoalmente, também sou contra esse Projeto de Lei – Ruy Corrêa, Secretario de Planejamento (Prefeitura de Santarém)
No final da sessão, foi acordado que uma comissão irá na próxima semana à prefeitura e à Câmara para dialogar sobre o arquivamento do Projeto de Lei.
Temos que barrar essa PL que autoriza a construção de prédios de até 27 metros na orla da cidade, e de 19 metros em Alter-do-Chão, Pontas de Pedras, Tapari, Caraparanari e Pajuçara. Além de promover a verticalização da orla e de toda a área de praias, o tal Projeto de Lei ainda transforma o PAE Eixo Forte em zona urbana e a APA MAICÁ em área portuária – Sara Pereira
Também ficou combinado que seria pedido à equipe da prefeitura a disponibilização de todos os materiais em estudo para consulta, em formato físico e digital. Em site oficial para comunicação online do Processo de Revisão, a população pede acesso à informação, transparência e canal de diálogo, como previsto na lei: