Por Suraras do Tapajós
Na última semana de abril, há 15 anos, povos indígenas espalhados de norte a sul do país se reúnem em uma grande conferência nacional, considerada já o maior encontro indígena do mundo. Nessa grande assembleia chamada Acampamento Terra Livre (ATL), lideranças de mais de 305 povos e convidados indígenas estrangeiros trocam experiências, discutem os desafios da conjuntura atual e mobilizam-se em atos públicos para chamar atenção de todos sobre o que está acontecendo. Este ano, já com 4 meses de acelerado desmonte da política indigenista do país e retrocessos ambientais sem precedentes, os indígenas traziam agenda em defesa da Constituição Brasileira, dos direitos indígenas, dos direitos ambientais e de todo cidadão brasileiro.
“Sangue indígena, nenhuma gota a mais”
Foto de Marco Antônio Corrêa Mota
O local escolhido para sediar o evento no Brasil não é em nenhuma aldeia distante, mas sim Brasília. Afinal, a capital federal é centralizada e o melhor local para reunir pouco mais de 3 mil lideranças.
"Nosso acampamento vem acontecendo há mais de 15 anos sempre em caráter pacífico buscando dar visibilidade para nossas lutas cotidianas, sempre invisibilizado pelos poderosos",
nota oficial da APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ao governo.
Povo Pataxó - Foto de Marco Antônio Corrêa Mota
A nota da APIB foi direcionada ao governo porque, uma semana antes do evento, Bolsonaro mandou a Força Nacional ocupar as ruas de Brasília. De forma ameaçadora, também questionou a legitimidade de um nacional de todos os povos indígenas e inventou que a conferência é realizada com dinheiro público (o que foi rapidamente desmentido).
“Se a demarcação das nossas terras ficar no Ministério da Agricultura, nós nunca teremos nossos direitos”
Otacir Terena, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Foto Marco Antônio Corrêa Mota
Audiência Pública
Não podemos permitir que a Funai permaneça sob o comando de ruralistas"
Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
No segundo dia de acampamento, em sessão especial no Senado, povos indígenas protestaram contra a MP 870/19, medida de Bolsonaro no primeiro dia de governo de desmonte de mais de 30 anos de política indigenista no país:
- transferiu a FUNAI para o Ministério da Mulher;
- entregou da demarcação indígena e licenciamento ambiental para o Ministério da Agricultura sob comando de ruralistas.
Além do início de duas outras medidas com consequências catastróficas:
- liberação de porte de armas no campo frente a intensificação de conflitos territoriais;
- negociação com mineradoras estrangeiras para exploração em terras indígenas.
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Raquel Tupinambá -
Adelina Borari -
Cacique Raoni eSuraras do Tapajós
Os povos indígenas exigiram participação e escuta sobre as leis em tramitação na câmara que afetam os seus direitos. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, em tom de compromisso, garantiu que haverá consultas sobre pautas no Congresso ligadas aos direitos indígenas.
Nesta semana já foram mais de 2 mil cópias de documentos sobre as violações aos direitos dos povos indígenas durante a ditadura para as mãos do Ministério da Agricultura. Podem estar encobrindo crimes que eles [ruralistas] causaram no passado”
Kretã Kaingang, da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul).
Foto de Alessandra Korap Munduruku
Outros encontros
O coletivo Suraras do Tapajós, junto com Engajamundo, também se encontrou com representantes Nilto Tatto e Joênia para discutir o avanço do agronegócio, mineração e hidrelétricas que ameaçam terras indígenas e os rios da região.
Foto de Raquel Tupi
Os povos do baixo Tapajós estavam no encontro, em defesa da lei maior nacional, dos direitos constitucionais indígenas, do acordo internacional por consulta e da necessidade de canal de diálogo com o governo.
Suraras do Tapajós, ao lado das lideranças do Baixo Tapajós, em reunião em Brasília
No segundo dia do encontro, as Suraras também se encontraram com Rodrigo Agostinho (presidente da Comissão de Meio Ambiente) e os deputados Sâmia Bomfim e Alessandro Molon.
O professor e ex-candidato à Presidência Fernando Haddad também esteve presente no encontro, para dar apoio aos indígenas em sua luta. Apesar do passado condenável do PT em Belo Monte, megaobra feita a custas de vidas e desrespeito aos povos indígenas, Haddad participou de reuniões e teve presença marcada em diversas atividades do Acampamento. Outros políticos também estiveram presentes em apoio aos indígenas.
Raquel Tupinambá em mesa com Fernando Haddad - Foto de Milena Raquel Tupi
A Esplanada tomada: indígenas ocupam as seis faixas do Eixo Monumental
Leia também:
Documento Final do XV Acampamento Terra Livre - APIB, 26/04/2019
RESISTIMOS HÁ 519 ANOS E CONTINUAREMOS RESISTINDO
Nós, mais de 4 mil lideranças de povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, representantes de 305 povos, reunidos em Brasília (DF), no período de 24 a 26 de abril de 2019, durante o XV Acampamento Terra Livre (ATL), indignados pela política de terra arrasada do governo Bolsonaro e de outros órgãos do Estado contra os nossos direitos, viemos de público manifestar:
Diante do cenário sombrio, de morte, que enfrentamos, nós, participantes do XV Acampamento Terra Livre, exigimos, das diferentes instâncias dos Três Poderes do Estado brasileiro, o atendimento
às seguintes reivindicações:
territórios etnoeducacionais. Recompor as condições e espaços institucionais, a exemplo da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena, na estrutura administrativa do Ministério da Educação para assegurar a nossa incidência na formulação da política de educação escolar indígena e no atendimento das nossas demandas que envolvem, por exemplo, a melhoria da infraestrutura das escolas indígenas, a formação e contratação dos professores indígenas, a elaboração de material didático diferenciado.
Realizamos este XV Acampamento Terra Livre para dizer ao Brasil e ao mundo que estamos vivos e que continuaremos em luta em âmbito local, regional, nacional e internacional. Nesse sentido, destacamos a realização da Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto, com o tema "Território: nosso corpo, nosso espírito".
Reafirmamos o nosso compromisso de fortalecer as alianças com todos os setores da sociedade, do campo e da cidade, que também têm sido atacados em seus direitos e formas de existência no Brasil e no mundo.
Seguiremos dando a nossa contribuição na construção de uma sociedade realmente democrática, plural, justa e solidária, por um Estado pluricultural e multiétnico de fato e de direito, por um ambiente equilibrado para nós e para toda a sociedade brasileira, pelo Bem Viver das nossas atuais e futuras gerações, da Mãe Natureza e da Humanidade. Resistiremos, custe o que custar!
XV ACAMPAMENTO TERRA LIVRE
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB)
MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA (MNI)