Nesta edição de aniversário de 20 anos de “O Boto”, quero escrever para vocês, leitores e leitoras que nasceram em 2017, junto com esta agência de comunicação genuinamente amazônica. Naquele ano “O Boto” teve origem como um movimento articulado por um “aplicativo de mensagens de celular”. Provavelmente seus pais ou avós já contaram algum caso sobre o “WhatsApp”. É verdade... quando tínhamos a idade de vocês, minha geração se comunicava digitando em telas físicas, em pequenos dispositivos de metal e plástico que precisávamos levar conosco para todos os lugares. Mais incrível ainda, tínhamos que parar pelo menos uma vez por dia e usar cabos para liga-los a fontes de energia!
Por Marcio Halla, "Babi"
Meus pais contam que, ao ser criada a APA municipal, em 2003, a comunidade, que queria a APA federal, não contestou. Pelo contrário, acomodou-se e ficou esperando a ação da prefeitura, que só aconteceu em 2011, quando a partir da iniciativa local e provocada pela comunidade, a prefeita homologou o Conselho Gestor da APA. Mas foi só isso, nenhum outro ato veio da prefeitura.
Quando o Plano de Uso foi aprovado, meu professor trouxe a notícia para a sala de aula. Lembro que era o último dia de aula e eu estava só pensando nas férias. Ao chegar em casa, conversamos sobre isso no jantar e meus pais comentaram que a partir daquele dia as coisas iriam melhorar. Aquele era o ano de 2012, ano de eleição. Depois de pouco mais de um mês, um novo prefeito e um novo secretário de meio ambiente assumiram, e mais uma vez o discurso da comunidade foi:
“agora temos que esperar, não adianta mais pressionar a prefeitura, porque o novo secretario precisa de tempo para colocar a casa em ordem e a APA pra funcionar. Não podemos atrapalhar”.
Foto de Alex Fisberg
Pois então, se passaram 4 anos, uma gestão completa, todo aquele movimento foi desarticulado e as coisas, mais uma vez, só pioraram.
Entre 2013 e 2017 a vila sofreu uma explosão imobiliária, teve um surto de hepatite devido à contaminação das águas, quando não existia a rede e a estação biodigestora de efluentes, e quase foi destruída nossa fantástica Floresta Encantada e toda a área de savana, onde estão as preservadas nascentes dos Igarapés Cuicuera, Camarão e Macaco.
Finalmente, independente da vontade do poder púbico municipal, no processo da primeira revisão do Plano Diretor e da derrubada do Projeto de Lei da verticalização de Alter do Chão, como ficou conhecida aquela aberração política, a comunidade se uniu novamente e decidiu assumir a direção para definir os rumos a serem tomados. No auge dos meus 20 anos, havia uma energia de renovação no ar.
Uma corrente teve início e as conquistas da luta comunitária começaram a acontecer. Vieram o Plano de Manejo da APA, o Código Paisagístico Arquitetônico de Alter do Chão, o Plano de Turísmo Sustentável, a tão sonhada homologação da Terra Indígena Borari, enfim, vários processos, projetos e leis que nos trouxeram até onde estamos hoje.
Foto de Alex Fisberg
Muita coisa já estava bem diferente na segunda revisão do Plano Diretor, em 2027, quando vocês deviam estar brincando, fazendo esportes ou alguma atividade cultural no recém inaugurado Centro Esportivo Cultural Jovem Borari, construído quando foi aprovado um dos grandes projetos do Instituto Alter do Chão. Um momento mágico, que até hoje me faz vibrar de emoção, foi a criação desta organização, formalizada após a união do Conselho Comunitário, da Associação Indígena Borari e de todas as associações comunitárias.
No dia da fundação deste Instituto, em 2020, eu compus a mesa representando a Associação de Jovens e fiz parte daquele momento histórico, quando o Conselho Gestor do Instituto foi criado com representantes de todos os setores, grupos, entidades. O Acordo de Princípios e Valores Comunitários de Alter do Chão, ali aprovado por aclamação, foi um divisor de tempos. Na verdade, foi um divisor que marcou o fim das divisões! Naquela grande roda, de mãos dadas, estavam indígenas e não indígenas, os nativos e os “de fora”, empreendedores locais e “hippies” (aliás, foi a última vez que ouvi estes dois termos: “de fora” e “hippies”!). Ali, sentimos que somos Alter do Chão. Sentimos unidade. Somos
comunidade!
Foto de Alex Fisberg