Por Arthur Massuda
Não há dados oficiais, mas se estima que Alter do Chão já tenha alcançado os seis mil habitantes. Uma população pequena, claro, mas não é mais aquela pequena vila de pescadores com grande uniformidade cultural e social. A imigração de pessoas das mais diversas partes do Brasil e do mundo mudou a cara do distrito do município de Santarém (PA), contribuindo para a diversidade, mas também para as desigualdades de sua população. Alter do Chão é hoje uma vila complexa, em que os locais buscam acompanhar e - na medida do possível - controlar as mudanças em seu território, que não são poucas.
Problemas com entorpecentes, insegurança, poluição, aumento de preços, novas atividades econômicas, choques culturais, todos os conflitos que surgem quando novas práticas e ideias chegam numa área até muito recentemente organizada por costumes e tradições tornam Alter do Chão um caldeirão em ebulição que não se sabe qual caldo vai resultar. E essa é apenas a dimensão interna de uma disputa pelo território.
Também, Alter do Chão é um paraíso amazônico na zona de expansão de um modelo de desenvolvimento que depende que nativos percam o controle de seus territórios para que o “progresso” encontre lugar. Dessa maneira, edifícios invadem o cenário da vila, a soja se aproxima, empresas privatizam suas águas, hidrovias ameaçam suas margens e hidrelétricas assombram o próprio rio Tapajós. Essa é a dimensão externa na disputa pelo território. E na sua condição de visibilidade internacional, um posicionamento dessa Alter em ebulição sobre essa disputa ganhará destaque privilegiado.
Mas para se posicionar nessas disputas, Alter precisa se definir, resgatar sua autonomia. Essa mistura precisa saber conversar, determinar rumos e agir em conjunto. Não se trata de anular as diferenças, mas de torná-las evidentes e debatê-las. Enquanto as lideranças - novas e tradicionais - da vila continuarem se pautando pelas conversas de bastidores, tão intrincadas nos grupos de mágoas e amizades, os rumos desta pequena Babilônia continuarão perdidos na confusão de concepções particulares do que é "o melhor para Alter". Podemos não concordar uns com os outros, mas, se não pararmos para conversar, pode apostar que esse outro vai atrapalhar na construção da Alter que eu sonho e eu vou atrapalhar na construção da Alter que o outro sonha. Ganha quem tem mais poder ou mais sorte. E quem tem mais poder não mora na vila. Nessa confusão, vamos ficar à mercê da sorte perante os sonhos lucrativos de empreiteiras, sojeiros e corporações.
É aí que O Boto surge como necessidade. Um jornal comunitário aberto a todas as manifestações é a oportunidade para explicar meu sonho, meu ideal, minha Alter. Será preciso maturidade para em seguida eu ler neste veículo uma resposta com outro sonho e outro ideal para a mesma Alter. Mas deixar essas diferenças em um espaço em que todos possam ler, comentar e a partir disso tomar decisões é a melhor maneira de avaliar onde está o seu sonho no gosto comunitário e desviar de intrigas e boatos. Aquelas rivalidades pessoais que tanto atrapalham são substituídas pelo debate de ideias que realmente focam nas questões coletivas.
Uma democracia se alimenta do conflito. Um conflito nos dá informação sobre aquela perspectiva em que nunca havíamos pensado antes, confirma ou dissolve expectativas, torna claros os limites, possibilidades e consequências daquela solução que antes se achava mágica, revela o que é realmente inconciliável, o que é negociável e - o mais importante - o que é comum. Se as lideranças de Alter do Chão persistirem em resolver seus problemas puxando o tapete daqueles que discordam - em vez de engolirem o orgulho com a consciência de que estamos todos debaixo do mesmo teto -, logo nenhum de nós terá a casa, esmagada pelos tratores de um progresso que ninguém sonhou.
Não concorda? Mostre aqui nO Boto que estou errado e deixe que todos acompanhem nossa conversa.