Aqui, na pacata e
tranquila Alter do Chão, que hoje em dia é conhecida como o “Caribe da
Amazônia” e que outrora foi uma pequena vila de pescadores e extrativistas, a
gente vai sempre se esforçando para manter as tradições. A banda 29 de Julho da
qual faço parte, toca os típicos dobrados, responsáveis pelo clima festivo e
comemorativo, além de manter viva a herança musical dos mestres Wilson Fonseca
e Carlos Gomes.
Esta virada do ano 2022 para 2023 foi mais do que especial poder
tocar nesse evento que eu sempre acompanhei desde criança com muita admiração,
a festa da nossa padroeira Nossa Senhora da Saúde. A festa sempre acontece na
virada do ano e esse ano aconteceu entre os dias 29 de dezembro e 08 de
janeiro.
Alvoradas trazem foguetes e valorizam a música santarena
Acordar cedo sempre foi um costume comum na vila, muito por
conta de ir para os roçados ou ir para a pesca.
A alvorada, que tira a vila toda da cama, sempre foi uma tradição tão
especial quanto a própria festividade e nós da banda 29 de Julho participamos
com muito prazer e orgulho já que cada dia de alvorada com um dobrado ou música
da cultura popular. Tradicionalmente, os dias de alvorada são o dia da
trasladação, 29 de dezembro, a véspera da festa, 05 de janeiro, e o dia da
padroeira, 06 de janeiro. Tradicionalmente a alvorada se inicia as 5h da
madrugada, sendo anunciada pelos estouros dos foguetes. No último dia 29 a
banda iniciou as festividades com um dobrado mais do que especial para todos os
músicos santarenos, o dobrado “Frei Ambrósio”, grande obra do Maestro Wilson
Dias da Fonseca, apelido para os mais íntimos carinhosamente de Isoca. Wilson
Fonseca, o aeroporto traz o seu nome, mudou para sempre a música santarena. O
dobrado por sua vez, aliás, é um gênero musical brasileiro criado para ser executado por
uma banda de música tradicional como a banda de 29 de Julho. Esse tipo de banda
é muito comum em todos os interiores do Brasil e os dobrados são símbolos de
comemoração, festa e solenidade. Dia 05 iniciamos com “Professor Carvalho”, dobrado
de melodia simples e agradável aos ouvidos. No último dia, dia 06, finalizamos
com “O Guarani”, de Carlos Gomes. A abertura da ópera que todos conhecem
ouvindo a Voz do Brasil.Tocar a alvorada é um
verdadeiro ritual para um músico de Alter do Chão.
Com o aumento do fluxo turístico na vila, sempre chegam turistas nessa época de final e de início de ano. O que eles não estão habituados é com os costumes daqui. Nunca me esqueço que, mais ou menos em 2008/2009, começamos a tocar pela manhã às 05:00 h e, do nada, três mulheres abriram a janela da pousada que fica em frente ao coreto. Gritaram conosco e falaram palavrões e, por último recurso, resmungaram “vamos chamar a polícia”. Então a polícia chegou. Quando se depararam que a denúncia era para acabar com uns tais “arruaceiros” que estavam fazendo barulho de madrugada e viram que era a Banda 29 de junho, os policiais, rindo, responderam paras as mulheres: “minhas senhoras, isso aqui é uma tradição de mais de 80 anos”. Elas olharam com uma cara de raiva e não teve como a banda conter as gargalhadas.
https://youtube.com/shorts/N9_zsEtXPtg?feature=share