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O saber indígena diante da pandemia como sobrevivência

O saber indígena diante da pandemia como sobrevivência
Jecilaine
mai. 22 - 6 min de leitura
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A anciã indígena Elena Borari alerta que “essa pandemia veio mostrar quem está preparado para seguir firme na luta pela vida, pela terra e tudo que existe nela, plantas, animais, seres humanos e saber lidar com eles”. Em entrevista exclusiva, ela relata o que tem vivenciado desde o início da pandemia. Filha de sacaca, esposa de sacaca, detentora de saberes tradicionais, parteira, mãe de 12 filhos –todos de parto natural–, ela manipula remédios através do uso das plantas medicinais que cultiva em seu quintal e retira das matas a qual preserva com muito respeito. Dona Elena acredita que a Terra está respondendo pelos atos do homem ganancioso. No Brasil, a pandemia se iniciou no governo Bolsonaro, trazendo tudo de ruim para o nosso país e revelando suas armações para o mundo ver. 

 

                              Foto: Ato de "puxar" a barriga da grávida.

Ela atribui seus conhecimentos ao contato com seus ancestrais. Quando precisa de um remédio, são eles que a guiam para que faça o uso correto das plantas. “A vacina tem ajudado, pois os saberes da ciência também são um saber guiado pelos ancestrais, mas as plantas evitaram muitos da minha família irem para o hospital, inclusive eu. Todo saber é divino e vem na medida certa”.

                            Foto: Coletando plantas em seu quintal para a produção de remédio.

 

Jecilaine Borari - Há quanto tempo você usa as plantas como medicamento?

Elena Borari - Eu me lembro desde minha infância quando via minha avó fazendo remédios, pois naquele tempo não tínhamos hospitais, médicos, tudo era longe. O hospital mais perto era em Belterra e nós íamos de canoa. Então, quando sabia qual era a doença, minha avó já fazia o remédio e curava. Daí eu ia observando como ela fazia e qual planta usava para cada doença.

J.B: Qual a sua orientação para o uso das plantas medicinais?

E.B.: Hoje temos médicos, posto de saúde perto, tem a SESAI que atende os indígenas. Se já se sabe qual é a doença, logo faço o remédio e oriento a tomar na hora e na medida certa. Todo remédio precisa ter cuidado e respeito ao tomar. Às vezes, alguém chega e quer um remédio para mioma, por exemplo. Eu pergunto logo sobre a intensidade da doença, porque se já tiver agravada, só cirurgia dá jeito. Tem que cuidar de qualquer doença no início, se não nem a cirurgia dá jeito.

J.B: Qual o tipo de doença que você tem tratado com mais frequência?

E.B: Doença de mulher e gripe. Infecção urinária, problema no útero, essas doenças que sempre chegam. Uma ou outra chega se queixando de dor no lado, no estômago, com problemas durante os dias de menstruação. Mas isso também tem muito a ver com a alimentação. Às vezes, se alimentam mal, fora de hora, comem o que não deve, isso acumula e com passar do tempo elas sentem.

J.B: Qual seu maior desafio em tratar alguém com o uso das plantas medicinais? 

E.B: Eu já cuidei de pessoas com AVC –que conhecemos como derrame–, mulheres com problemas de parto, mas o maior desafio de todos que eu talvez não vá esquecer é o coronavírus. Eu cuidei de meus filhos, cheguei a pensar que ia perder um deles pra essa praga de doença, mas nós vencemos. Eu me curei, eu venci. Nós sempre nos cuidamos, não ficamos saindo de casa mesmo depois de vacinados. No início, não sabíamos quem era esse vírus, de que ele era capaz, sabíamos que matava. Hoje já aprendemos a lidar com ele, basta ter cuidado, se cuidar, evitar ficar saindo à toa. Tem que se cuidar, porque o governo está aí para acabar com a gente, principalmente com os indígenas, com os pobres.

J.B: Como avalia as declarações do presidente sobre a pandemia e a vacina?

E.B: Ele não deveria falar as coisas que ele tem dito, porque um presidente tem que ver o que é melhor para a população e não pensar nele e na família dele como ele tem feito. Tratando o coronavírus como uma gripezinha, ele é despreparado para ser presidente. Já deveria ter saído, nem deveria ter entrado como presidente.

J.B: Qual a mensagem que você deixa pra população sobre a importância de valorizar a vida em tempos tão difíceis?

E.B: Que nós possamos nos cuidar, ficar mais em casa, dar valor à vida. Muitas pessoas pensam no dinheiro, como se comessem o dinheiro para sobreviver.  Mas o dinheiro não é nada, ele acaba. Precisamos cuidar de verdade da natureza e de tudo que tem nela, da nossa vida, das pessoas, da família. Eu vejo na internet, na televisão muitas pessoas que dizem que cuidam da natureza, mas, na vida, de verdade, não fazem nada. Só querem mostrar na internet que cuidam, mas só querem saber de dinheiro, de fama, como ouço falar. Quando acaba o dinheiro, acaba o amor. (sorri)

–––

Jecilaine Borari é pedagoga formada pela Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), mestranda em Educação Escolar Indígena, na UEPA, presidente da Associação Iwipurãga do Povo Borari da Aldeia Alter do Chão, representante do Povo Borari de Alter do Chão no Conselho de Lideranças do CITA e Secretária da Coordenação do Sairé de Alter do Chão.

 


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